Por Draco Stellamare
Este
texto foi escrito originalmente para os membros da Congrega Stella Maris, e
integra o conteúdo de estudos obrigatórios dos aprendizes.
Esta
versão pública foi devidamente editada com a retirada dos conteúdos internos.
A alquimia é definida por muitos autores – sobretudo em âmbito historiográfico – como uma “proto-química”, em partes representando as ideias basilares que evoluíram para o entendimento da química moderna e em partes composta de teorias que hoje são consideradas ultrapassadas do ponto de vista científico. No entanto, falta ao olhar moderno – para além da compreensão de que toda arte se circunscreve às possibilidades de seu tempo – o entendimento de que muito além da parte materialista e laboratorial a alquimia é uma arte metafísica, psíquica e espiritual, num sentido iniciático. Os principais objetivos da alquimia eram a transformação do chumbo (e outros metais) em ouro, a criação do homunculus (o homem artificial) e a preparação da Pedra Filosofal, um insumo que possibilitaria o usuário a adquirir vida eterna, poder e cura para todas as mazelas. Tais objetivos considerados pelo cientista moderno como fantasias sobrepujadas possuem uma dimensão mistérica que continua muito relevante para os adeptos do esoterismo tradicional. Em nossa arte bruxa, os princípios alquímicos se relacionam estreitamente a diversas de nossas simbologias, ritos e mistérios. Sobretudo no curso do processo iniciático, considerando as influências e amálgamas do rosacrucianismo antigo e outros mistérios obscuros em nossa tradição, a sabedoria alquímica nos é relevante para compreender as fases pelas quais somos conduzidos no curso da trajetória espiritual que objetiva a deificação. Esse texto busca elucidar essa perspectiva.
O processo alquímico não foi
estanque ao longo do tempo. Como as leituras indicadas já ensinaram, ele
inicialmente era focado nos quatro elementos (e o espírito), sendo que somente
com a alquimia europeia medieval-renascentista os quatro elementos começam a
dar lugar a um protagonismo dos princípios alquímicos, que primeiro são dois –
enxofre e mercúrio, oriundos respectivamente das exalações intermediárias entre
terra e fogo (fumo terroso) e água e ar (vapor aquoso) – e depois em Paracelso
ampliam-se em três: enxofre, mercúrio e sal. Tais princípios não são uma
literalidade mas sim um conceito estrutural da realidade, todas as substâncias
podem ser divididas, ou melhor, compreendidas em uma tríade de enxofre,
mercúrio e sal. O primeiro desses princípios, enxofre, está ligado a tudo que é
combustível, que sofre os efeitos da transmutação dentro da substância, podendo
estar mais puro ou menos puro, e sendo encontrado como vermelho, branco ou
negro. O mercúrio é o condutor e permeador, ele se mantém constante, embora fluido,
entre os diferentes estados das substâncias. O sal é a materialidade, a forma
física que contém e manifesta os outros dois princípios.
Sob uma ótica física, os
princípios podem ser vislumbrados na decomposição de algo, como a madeira sendo
queimada. Enquanto o enxofre é a parte consumida pelo fogo – por ser
combustível, fornecendo energia para a queima – o mercúrio é a fumaça liberada
para o estado de “vapor” e o sal são as cinzas resultantes. Já no entendimento
espiritual e iniciático, compreendemos que os três princípios são símbolos e
simetrias para a tripartição da existência humana: o mercúrio, imodificável e fluido,
é o espírito imortal (para nós, o sagrado coração que contém o “fogo”
espiritual ou quintessência, Azoth), o enxofre, consumível e sujeito às ações
do alquimista, é a alma ou a mente afetada pelas emoções e instintos, e o sal,
a materialidade, é o nosso corpo que permite a manifestação de ambos os
princípios no nosso mundo material.
Em nossa tradição, vemos a
tripartição destes princípios alquímicos colocada de forma subliminar nos
nossos sacramentos rituais. [conteúdo editado]
Segundo os ensinamentos
alquímicos, os metais são compostos por uma diferente composição dos dois
princípios enxofre e mercúrio, em diferentes tipos de sal, contemplando maior
pureza e equilíbrio ou maior impureza e desequilíbrio. Tais metais estão para
nós associados não somente aos planetas, mas às esferas celestiais e aos
poderes primordiais da criação, conforme contemplados também nas pontas de
nossa estrela sabática.
Chumbo =
Saturno
Ferro =
Marte
Estanho =
Júpiter
Mercúrio =
Mercúrio
Cobre =
Vênus
Prata =
Lua
Ouro = Sol
Excetuando o mercúrio que não
se fixa em estado sólido em condições normais, os metais citados são assim
mencionados por Alberto Magno quanto à sua composição:
Chumbo = Enxofre negro impuro + mercúrio +
terra fétida
Ferro = Enxofre branco impuro + mercúrio +
terra fétida
Estanho = Enxofre branco impuro + mercúrio
+ terra comum
Cobre = Enxofre vermelho impuro + mercúrio
+ terra comum
Prata = Enxofre branco puro + mercúrio +
terra pura
Ouro = Enxofre vermelho puro + mercúrio +
terra pura
A transmutação do chumbo (metal
mais impuro) em ouro (o metal mais puro e mais valioso) é uma simbologia direta
para a transmutação da pessoa do iniciado durante o seu processo iniciático.
Sabemos dentro de nossa tradição que toda a trajetória de deificação, de ascensão
à coroa da vida eterna, depende da dignificação da alma e do seu preenchimento
em equilíbrio pelo espírito imortal – de modo que não exista mais separação
entre um e outro, e a quintessência seja plenamente acessível à alma como é
pelo espírito. Do mesmo modo, o chumbo se torna ouro quando seu enxofre é
purificado e equilibrado ao seu mercúrio, em um sal também purificado de
impurezas em perfeito equilíbrio. Os alquimistas buscam essa transmutação
através de um processo que – salvo as inúmeras diferenças entre diferentes
autores e diferentes épocas – pode ser explicado pelas etapas principais denominadas
nigredo, albedo e rubedo (com uma subetapa por vezes chamada
citrinitas).
NIGREDO
Associado à cor preta (nigro)
é o processo no qual a matéria se decompõe de alguma forma, putrefactio sendo
o processo de “putrefação” das impurezas e calcinatio da sua incineração,
a título de exemplo prático. Restam as cinzas e as impurezas são segregadas e
evidenciadas, sendo separadas do restante da matéria. O chumbo é decomposto, e
as impurezas da terra e do enxofre começam a ser retiradas. O enxofre deixa de
ser negro e se torna branco, mas ainda está impuro assim como o sal (a terra de
Magno) que ainda não é pura. Da mesma forma, no ferro o enxofre branco impuro
terá que ser purificado, assim como a terra que então deixará suas impurezas.
No caminho iniciático, o nigredo
começa com o aprendiz ou iniciado no estado bruto, seu caráter ainda é o
“chumbo”, carregado de impurezas, vícios e desequilíbrios. Tal como esse metal
pesado, o indivíduo possivelmente ainda age com padrões nocivos a si mesmo e
aos demais. Alguns exemplos mais corriqueiros são os comportamentos egoístas,
vitimistas ou violentos, mas também a autossabotagem, a inveja, a comparação tóxica
com os outros, e os desvios de caráter que levam o indivíduo a quebrar os
códigos de honra e integridade nos quais está inserido, seja mentindo para os
outros ou para si mesmo, trapaceando seus semelhantes ou negligenciando suas
responsabilidades.
Quando começa o processo de
dissolução (a primeira fase do famoso solve et coagula) o iniciando é
forçado a encarar seus desequilíbrios. Esse processo normalmente não ocorre –
ao contrário do que se pode pensar – com um olhar interior imediatamente lúcido
e analítico, mas com as dificuldades e obstáculos que surgem no caminho, as
provações, os momentos de dificuldade e tensão que colocarão o iniciando frente
à frente com os desdobramentos de suas ações, escolhas e palavras. É o momento
em que as piores emoções e pensamentos virão à tona e precisarão ser
reconhecidos sem identificação (com a consciência de que você não é seus
pensamentos e emoções, e que eles não devem dominá-lo), e é nessa necessidade
que entram em ação o iniciador e os espíritos que guiam o processo. Através da
orientação dos mestres, do autoexame, da reflexão e do exercício das práticas
que são ensinadas, o iniciando é malhado como ferro para ser purificado dessas
impurezas. Ele identifica gradualmente seus erros, seus vícios, e os seus
desequilíbrios (se estiver disposto, por óbvio), e começa lentamente a abandonar
a identificação com eles, compreendendo-os como algo a ser superado,
equilibrado ou purificado – algo que não faz parte de sua verdadeira essência.
Quando as impurezas são
suficientemente purificadas, isto é, quando o iniciando consegue se
desidentificar o suficiente dos comportamentos viciosos e nocivos, dos maus
pensamentos e emoções, deixando de ser conduzido por eles cegamente como antes,
a próxima fase do processo começa.
ALBEDO
Após o ferro, em que os
primeiros estágios de purificação se mostram, vem o estanho e o cobre, onde a
terra já não é mais fétida e o enxofre não é mais enegrecido. Isso implica uma
materialidade mais equilibrada, porém ainda não perfeita, pois enxofre/alma
ainda não estão totalmente puros. A purificação do enxofre, já em terra comum
que gera o estanho e o cobre, e a elevação até a prata que é o primeiro metal
que traz o enxofre puro em um sal puro, se encontra simetricamente com a
segunda fase do processo alquímico e iniciático, o albedo, proveniente
do alvo significando branco.
Em albedo, o iniciando
já conhece suas impurezas e elas foram evidenciadas e purgadas – o processo de
identificação pessoal já não ocorre como antes. Agora, as virtudes e poderes,
os bons pensamentos e emoções (que são construtivos para o Opus Magnum –
a grande obra do alquimista) e a verdadeira e valorosa essência do ser começam
a ser enaltecidos. A identificação que antes ocorria com os aspectos impuros e
problemáticos começa a acontecer com o os aspectos construtivos de si mesmo. A
alma começa a refletir a luz do espírito (enxofre começa a se tornar fluido e
constante como o mercúrio), tal como a lua reflete na noite a luz do sol. Em albedo,
o iniciando começa a desenvolver de forma proativa suas qualidades pessoais,
como um bom caráter, integridade e cumprimento da honra, honestidade consigo e
os outros, mais lucidez sobre as situações ao seu redor etc. Também em albedo
os dons que antes estavam adormecidos ou obscurecidos pelas impurezas
espirituais e psíquicas começam a ser percebidos. Enquanto nigredo
evidencia os problemas e os defeitos, albedo evidencia as soluções e as
qualidades, de modo que o iniciando então passa a ser consciente de aspectos
construtivos de sua verdadeira essência, e da tangibilidade de seu real
potencial. Volta mais uma vez o papel essencial do iniciador e dos espíritos do
caminho – e num certo sentido até mesmo da comunidade – como guias nesse
processo de reivindicação de dons, virtudes e qualidades do iniciando. É na conquista
orgânica desse potencial que alguns definem a subetapa citrinitas
(amarelamento), como o início da contaminação da alma pelo poder do espírito, o
início do equilíbrio entre enxofre e mercúrio alquímicos.
Essa certeza sobre quem se é,
construída gradualmente, levará ao derradeiro processo de comunhão que
caracteriza a terceira etapa da alquimia.
RUBEDO
A consumação das “núpcias
alquímicas” entre enxofre e mercúrio, entre alma e espírito, se dão em rubedo,
significando rubro, vermelho. A pureza da prata com seu enxofre branco leva ao
ouro quando o enxofre já puro em terra pura se torna vermelho pelo influxo dos
raios solares (aqui se entende o sol como o divino, o espírito quintessencial).
O que antes ainda recebia influência profana – da “terra comum” – passa a ser
um sentimento e um intelecto puro, essencialmente divino em plena manifestação.
O iniciado em rubedo
atinge a comunhão e o equilíbrio do alinhamento entre alma e espírito imortal,
e as virtudes e poderes que começam a ser percebidos em albedo se
manifestam de forma concreta, assim como o domínio maior sobre os demônios
interiores que se escondiam entre as impurezas purgadas em nigredo. Aqui
o bom caráter que foi forjado se define e se consolida como natural, os dons
atingem sua plena maturação e serventia, e a gnose – o ganho de
conhecimento espiritual – também. É o grande esplendor do iniciado, que se
torna não apenas uma versão melhor de si mesmo (algo que idealmente começa
desde o início em nigredo) mas também se torna capaz de manifestar
plenamente a sua verdadeira essência. Aqui a autenticidade do espírito é vista,
e tal como o brilho do sol que nutre a vida, a emanação dessa autenticidade abençoa
as pessoas ao redor do indivíduo de forma bem mais direta e abrasiva do que a
tênue luz que era refletida por ele em albedo.
Ao consumar o processo, o
iniciado terá unido com sucesso o céu e a terra, seus aspectos inferiores e
superiores, instinto e intelecto, alma e espírito imortal, perfazendo a
consolidação do que é prescrito pela Tabula Smaragdina, a Tábua das
Esmeraldas:
Verum
sine mendacio, certum, certissimum.
Quod est superius est sicut
quod inferius, et quod inferius est sicut quod est superius.
Ad preparanda miracula rei unius.
Sicut res omnes ab una fuerunt meditatione unius, et sic sunt nate res omnes ab
hac re una aptatione.
Pater ejus sol, mater ejus luna.
Portavit illuc ventus in ventre suo. Nutrix ejus terra est.
Pater omnis Telesmi tocius mundi hic est.
Vis ejus integra est.
Si versa fuerit in terram separabit terram ab igne, subtile a spisso.
Suaviter cum magno ingenio ascendit a terra in celum. Iterum descendit in
terram,
et recipit vim superiorem atque inferiorem.
Sicque habebis gloriam claritatis mundi. Ideo fugiet a te omnis obscuritas.
Hic est tocius fortitudinis fortitudo fortis,
quia vincet omnem rem subtilem, omnemque rem solidam penetrabit.
Sicut hic mundus creatus est.
Hinc erunt aptationes mirabiles quarum mos hic est.
Itaque vocatus sum Hermes, tres tocius mundi partes habens sapientie.
Et completum est quod diximus de opere solis
TRADUÇÃO:
É verdade, sem falsidade
alguma, certa e mais verdadeira
Que aquilo que está acima
é como aquilo que está abaixo, e que aquilo que está abaixo é como aquilo que
está acima.
Para realizar os milagres
de uma única coisa.
E assim como todas as
coisas vieram do Um, assim todas as coisas são únicas, por adaptação.
Assim o Sol é seu pai, e a
Lua é sua mãe.
O vento a carregou em seu
ventre, e a Terra e assim sua nutridora.
O Pai de toda Telesma
(vontade) do mundo está nisto.
Seu poder é perfeito, se
for convertido em terra.
Separarás a Terra do Fogo,
o sutil do denso, suavemente e com grande sagacidade.
Sobe da terra para o Céu e
desce novamente à Terra e recolhe a força das coisas superiores e inferiores.
Desse modo obterás a
glória do mundo inteiro.
E todas as trevas se
afastarão de ti.
Nisso consiste a forte
fortaleza de todo poder:
Vencerás todas as coisas
sutis e penetrarás em tudo o que é sólido.
Assim o mundo foi criado.
Esta é a fonte das
admiráveis adaptações aqui indicadas.
Por esta razão fui chamado
de Hermes Trismegisto, pois possuo as três partes da filosofia do mundo.
O que eu disse da Obra
Solar é completo.
ROTATIO – A repetição cíclica
A jornada iniciática assim pode
ser compreendida tanto em macro quanto em microescala. Na macro, nigredo,
albedo e rubedo são as etapas de um caminho iniciático funcional
e bem vivido. O iniciando migra de um para outro ao longo de muitos e muitos
anos de prática, consolidando seus dons, virtudes e forjando pelas pressões e
intercorrências do caminho o seu amadurecimento. Mesmo depois da vida, esse
processo continua, e o seu ápice se dará na apoteose da vida eterna, na
deificação – que podemos equiparar à obtenção da verdadeira Pedra Filosofal, a
imortalidade absoluta, a sabedoria plena, chamada de A Grande Obra (Opus
Magnum). Já em microescala, as etapas negra, branca e vermelha se repetem
constantemente todos os dias, de mês em mês, de estação em estação. É o curso
do próprio caminho que viabiliza que sucessivas vezes tenhamos que aniquilar
nossas impurezas e enfrentar nossas fraquezas, aprender a identificar nossas
virtudes, e integrá-las em nosso eu para florescer o pleno potencial que
possuímos. Deste modo, o labor nunca está de fato concluído. Não existe um
momento na vida de um iniciado, mesmo após muitos e muitos anos, em que não
exista mais trabalho a ser feito, em que não exista mais impureza a expurgar,
virtude a enaltecer e integração do alto e do baixo a equalizar. Se esse
momento chega, ele é a divinização plena, e sabemos o quão excepcional – e
improvável – é a aquisição dessa coroa de vida eterna no curso de uma única
vida humana.
Deste modo, o alquimista deve
repetir as operações de dissolução e coagulação – solve et coagula –,
de nigredo a rubedo, inúmeras vezes, cada vez em
um nível mais sutil, para aperfeiçoar a obra. A isso, pode-se dar o nome de rotatio
(rotação), a repetição cíclica do processo em círculos intermináveis, à imagem
do Ouroboros – a serpente ou dragão alquímico que come a própria cauda
infinitamente. O dragão representa também a coragem necessária para devorar a
si mesmo em nigredo, a dor do crescimento e amadurecimento em albedo
e a união dos opostos – cauda e cabeça – em rubedo. O dragão é também a
serpente cósmica [conteúdo editado] o fluxo do poder divino por todo o cosmos,
e um simbolismo profundo da máxima alquímica Hen to Pan – Ἓν τὸ Πᾶν –
que significa que o Um está no Todo e o Todo está no Um.
Inspirado por essa simbologia,
o iniciado deve lançar mão do conselho contido na fórmula alquímica do
V.I.T.R.I.O.L, a frase Visita Interiora Terrae Rectificando Invenies
Occultum Lapidem, que significa “visita o interior da terra e, retificando,
encontra a pedra oculta”. Essa frase sintetiza o conselho da Tábua das
Esmeraldas e aponta o caminho da Pedra Filosofal – a pedra oculta. Esse caminho
se dá pela retificação interior, à qual o iniciando se submete num ciclo
interminável, cada vez mais apurado, em que sofre as transmutações de nigredo
a rubedo.
Visitar o interior da terra
implica o conhecimento do seu próprio interior, assim como dos mundos
inferiores – em nossa tradição, o mergulho ao Inferno em práticas sabáticas, o
congresso com o demônio pessoal, e a própria pactuação com Lucifero entram aqui,
pois é impossível conhecer o Paraíso sem ter descido ao abismo do Inferno. [conteúdo
editado] Retificar, significa expurgar as impurezas, e realinhar espírito e
alma – podemos observar isso à luz da procura pelo cumprimento da missão
escolhida por nosso sagrado coração ou espírito imortal para esta vida
presente. Encontrar a Pedra Filosofal, para além da pedra física e suas
propriedades que são buscadas por alquimistas operativos, inclui encontrar a
própria verdadeira essência de si mesmo, o ouro filosofal, a sua natureza
divina que sobreviverá a todo o restante, e por isso pode divinizar a alma em
que habita, entregando – tal como se diz da pedra física – imortalidade, cura
de todas as mazelas e infinita sabedoria.
Estas são noções introdutórias
acerca da alquimia que se espera que ocorra no processo iniciático. Como em
nossa tradição não possuímos um trabalho ritualístico específico para isso que
obrigue o iniciando a forçosamente se abrir para tais reflexões, se faz
necessário que essa abertura ocorra pela reflexão quotidiana, pela compreensão do
seu próprio amadurecimento conforme se avança na caminhada. Subliminarmente, a
movimentação dos ritos e dos sacramentos, a desenvoltura dos dons e o próprio
efeito das ressonâncias e transmissões iniciáticas tem a função de provocar o
início e a continuidade dessa alquimia – mas de nada ela adiantará se a mente
não estiver disposta a enxergar e assimilar com reverência e respeito, por si
mesma e pelos que gastam seu tempo orientando a caminhada na tradição.
Um dos muitos perigos de
processos do gênero “autoconhecimento” é achar que você está atravessando
grandes mudanças, ou que se tornou um grande pedaço de ouro reluzente, enquanto
continua em realidade preso às impurezas que deveria purgar em nigredo,
e essa é uma das razões pelas quais temos que ser pacientes e persistentes, e
jamais soberbos. Autoconhecimento, assim como a “forja do caráter” são
processos que duram uma vida – em realidade mais do que uma vida – e que se
operam e se viabilizam pela experiência vivida, pelos acertos e erros, e pela
opção de estar aberto à orientação e à reflexão por toda a extensão da jornada.
Fujam de quaisquer ilusões de que após uma série de práticas vocês estarão à
beira da deificação. Lembrem-se de que quando realmente optamos por vivenciar a
iniciação – ou melhor, a jornada iniciática – a alquimia pessoal vai acontecer em
círculos concêntricos como já explicado. Você atravessará fases que vão do nigredo
ao rubedo diariamente, em pequenas coisas, em pequenas batalhas, mudanças
e vitórias, e elas são importantes. Mas é a união desses pequenos ciclos
diários ao processo em sua escala macro que fará de você um verdadeiro iniciado,
capaz de encontrar sua verdadeira essência e manifestá-la no mundo.
Então, quando achar que
encontrou a Pedra Filosofal, procure mais atentamente. De novo. E de novo. E de
novo. Esse é o caminho para efetivamente rumar em direção a ela. E é essa a
postura honrada que é esperada de um iniciado: procurar o aperfeiçoamento
contínuo, orando e trabalhando (como se diz com o conselho dos alquimistas Ora
et Labora), sem jamais se permitir a ilusão de acomodação ou a cegueira do
orgulho pelas coisas que foram conquistadas até o presente. Intimide-se sempre
pelo seu eu de amanhã, pois fazendo um bom trabalho, ele será muito maior e
mais nobre do que o de hoje! A verdadeira competição é com seu eu do passado e
seu eu do presente. O único verdadeiro adversário a superar – pois é o único que
realmente pode impedir o seu progresso iniciático – é você mesmo.
Tal como o dragão em ouroboros,
a jornada não possui um fim, e o único caminho é em frente, entre a esquerda e
a direita.
Que vocês, iniciados ou
aprendizes, se lembrem disso e seja a lembrança uma chave para abrir o caminho
para o que vocês realmente buscam.
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