Por Draco Stellamare a.k.a Šarkan
Assim como existem diferentes trajetórias na transmissão dos saberes e iniciações, há diferentes métodos de associação nas muitas bruxarias tradicionais contemporâneas. Uma das formas é a de Irmandade, um clã unido por votos e regras específicas, entremeadas ao seu feitiço fundador, e que normalmente permitem uma quantia maior de membros (quando somados os “internos” e os “externos”) do que a estrutura normalmente mais conhecida e comentada de Covine, Coven ou Congrega. Um dos exemplos de meu conhecimento – e participação – é a Axis Mundi Clan ou simplesmente Axis Mundi, dirigida por uma de minhas iniciadoras.
A história da Axis Mundi envolve
alguns mistérios. Segundo a passagem oral de conhecimentos, ela teria sido
fundada por volta de 1940 no contexto da diáspora eslava para o Brasil, sendo
carregada de forma velada por mulheres que saíram de sua terra natal e
assumiram novas identidades nos bairros de imigração eslava da cidade de São
Paulo. Na época dessa transição alguns fenômenos aconteciam em paralelo. Pessoas
de diferentes etnias dentro da URSS eram postas em contato pela política
stalinista do pan-eslavismo, que migrava famílias de uma região para a outra
visando “homogeneizar” a população sob uma única identidade nacional. Também
foi um período de intensos rompimentos, no qual muitas pessoas optaram por
migrar como forma de fugir do regime socialista e das dificuldades da Segunda
Guerra Mundial, saindo até mesmo de países do Bloco Oriental ou com ele
fronteiriços, devido a todas as instabilidades geradas, recorrendo não raro a
meios ilegais e novas identidades para tal. Foi desse modo que, conforme se
conta, pessoas estudiosas de magia cerimonial, portadores de linhagens bruxas
de natureza folclórica e rural e pessoas que detinham dons mediúnicos especiais
se encontraram e formaram uma associação. Essa associação, moldada como uma
irmandade de magia – atualmente considerada como uma irmandade de bruxaria
tradicional – recebeu o nome de Axis Mundi Clan e perdurou de forma discreta,
como uma pequena escola esotérica, até o ano de 1991, quando a morte da
fundadora em idade avançada encerrou as atividades, levando ao adormecimento do
clã sob os cuidados dos integrantes mais jovens.
Durante seu primeiro período de
atividade, é dito que a Axis Mundi funcionou de forma bastante atrelada a estudos
que estavam em voga na época, como o hermetismo, astrologia e magia cerimonial
– parte graças às inclinações da fundadora, de origem judia – sem, no entanto,
perder os caracteres de magia folclórica oriundos do Leste Europeu. Os
benzimentos, os encantamentos tecidos pela voz e pelo canto, e outras artes
típicas dos povos eslavos encontraram meandros para se adaptar a uma nova
realidade linguística e cultural no Brasil, assim como práticas e correntes de
poder que hoje consideramos aptas a ser encaixadas na classificação de
“bruxaria tradicional”. Através dos sincretismos que foram forçados pela
política soviética e pelas andanças pelo continente europeu, a arte do koldun, a sabedoria dos sussurros das benzedeiras silesianas (o szepczarki) e linhagens mágicas provenientes de locais como
os Balcãs se encontraram e foram amalgamadas, gerando como resultado uma
irmandade onde todas essas linhagens e dons eram transmitidos iniciática e
formalmente, sob o olhar atento dos espíritos que foram chamados para sua
fundação.
Exemplo de bordado tradicional feito no clã. |
Em 2022, após um hiato de mais
de trinta anos, a dirigente – publicamente conhecida como Sybilla Rhein – retirou
a “alma” da tradição de seu adormecimento, dando início ao renascimento da
irmandade sob uma nova forma, agora centralizada nos saberes folclóricos e na
corrente iniciática de bruxaria. Este processo despertou os acordos formulados
com os espíritos tutelares pelos membros anteriores do clã e os colocou em
ação, mas foi somente em 2025, após três anos de árduo trabalho nos quais muitas
pessoas foram avaliadas como aprendizes e poucas vingaram, que a estrutura
completa da irmandade foi reestabelecida, com a formação do Círculo Interno
formado pelos primeiros iniciados da nova geração. Além das influências
pretéritas recuperadas e trazidas à forma atual do clã, a Axis Mundi foi também
fundamentada pela linhagem da dirigente e pelas dos iniciados, dado que é um
dever de cada novo membro contribuir com a estrutura espiritual e com o
arcabouço de saberes da Irmandade. Da linhagem Rhein, a nova Axis Mundi herdou
a prática aprofundada de necromancia e sortilégios próprios da família,
atrelando sua história também à dos prussianos que vieram para o nosso país nos
idos de 1850 e sobre os quais existe mais documentação preservada.
Forcados e vassouras, fotografados por ocasião das iniciações que consolidaram a nova estrutura da Irmandade. |
Hoje, a Axis Mundi Clan
funciona em duas células interdependentes, o Círculo Externo e o Círculo
Interno. Enquanto o Círculo Externo reúne todos os membros, iniciados e não
iniciados, e propaga a comunhão com a tradição através dos rituais sazonais e
práticas basilares, o Círculo Interno concentra os iniciados plenos e é voltado
para trabalhos mais aprofundados de magia e de feitiçaria. O compromisso dos
membros do Círculo Externo, assim, é mais brando do que os do Interno, mas
ainda assim fundamental para a existência da comunidade. Tal como o nome do clã
sugestiona, ambos os grupos circundam a Árvore dos Espíritos, um mistério
atrelado às origens humanas e transcendentais da tradição, e amalgamado de
forma muito particularizada ao entendimento tradicional do Sabbat das
bruxas.
Além das posições de aprendiz e
iniciado, a Axis Mundi é composta por cargos e atribuições específicos, como
Master Belli, Ofídia e Arquimago, dentre outras. Cada uma dessas atribuições
inclui a dominação de saberes próprios, cujo estudo pode ser exigente e se
traduzir no caminho de uma vida.
Entre os espíritos vindos do
mundo eslavo e a ancestralidade pulsante de nossa terra natal, a Axis Mundi se
ergue como muitas coisas em uma. Por um lado, ela é uma escola de magia voltada
ao conhecimento, por outro, uma mantenedora de linhagens folclóricas envoltas
em mistério, e por outro ainda, um complexo caminho esotérico, digno de uma
longa caminhada iniciática.
Gratos são os que podem dizer
que pertencem ao cortejo dançante ao redor da árvore que constitui o eixo do
mundo.
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