quarta-feira, 21 de julho de 2021

O Florescer da Rosa do Sabá - Uma reflexão sobre aprendizado espiritual

 


Há um vício contemporâneo horrível na lida com o caminho espiritual, que é a racionalização excessiva da prática sustentada pelo academicismo.

Sem dúvidas é bem melhor pautar o desenvolvimento de suas práticas espirituais na pesquisa acadêmica e nas teorias publicadas em livros ocultistas sérios do que viver em meio aos delírios que surgem de uma gnose pessoal pouco criteriosa ou pouco amparada pelos limites que se constroem a partir de uma cosmovisão consolidada pelo tempo e de uma teologia tradicional. Longe de mim afastar a importância de um estudo sóbrio sobre o caminho mágico, um que passe pela história, pela filosofia ou pela antropologia.

Mas é fato que algumas coisas só podem ser minimamente compreendidas após uma experiência vivencial. De nada adianta teorizar verdadeiros monólogos sobre como é a experiência de fazer sexo se você nunca transou. Sendo virgem, você pode inventar as razões que quiser para explicar o fenômeno biológico e psicológico do sexo, e serão apenas justificativas racionais sobre algo de que você não tem conhecimento de causa. Acumular toda a bagagem teórica possível de sexologia não faz ninguém ficar bom de cama se a pessoa não for lá e partir para o rala e rola. E partir para o rala e rola várias vezes, trabalhando suas inseguranças, explorando seus pontos fortes etc. E isso não é apenas uma questão de aplicação prática do conhecimento teórico. É uma questão de submeter-se a um nível muito mais sutil e profundo de aprendizado, que envolve muito pouco – ou quase nada – da mente racional. Dá para argumentar (de forma leiga e rasa, fazendo já um mea culpa à psicologia e à psicanálise) que muita coisa se trata de conduzir um aprendizado que é “mais inconsciente do que consciente”, se assim preferirem. O corpo animal que habitamos tem memória e instintos, carrega atavismos, heranças comportamentais, vulnerabilidades e potencialidades que nem sequer somos capazes de imaginar a nível consciente. E muitas experiências que atravessamos ao longo da vida dialogam mais com todo esse conjunto de coisas ocultas que nos constituem do que com a compreensão analítica e racional da nossa mente – aquela que toma decisões supostamente lúcidas no dia a dia.

De um modo análogo, certas experiências espirituais são relevantes a um nível de profundidade que escapa a nossa vã filosofia, e ensinam muito mais a própria alma imortal do que a nossa consciência racional e mundana.

O Sabá das Bruxas é um dos exemplos mais vilipendiados nesse sentido, ao menos dentro da parcela da comunidade bruxa com a qual eu tenho contato diariamente. Muito se teoriza e muito se discute, principalmente a partir dos escritos e falas alheios, mas pouco se vivencia do que de fato seja essa experiência. Quem a vivencia, sob qualquer uma de suas infinitas possibilidades, parece guardar um resoluto silêncio frente aos ecos balbuciantes do restante do mundo. Um silêncio que muito comunica nas entrelinhas. E penso que isso tem a ver com a percepção do quanto essas duas realidades, a de especulador externo e a de experimentador interno, são diametralmente distintas, justamente porque existe qualquer coisa de nível mais subliminar e profundo que dá algum entrosamento aos discursos e ações daqueles que passaram pelas mesmas experiências, ainda que o perpétuo caos de intrigas e desavenças no qual a comunidade chafurda tornem essa percepção um pouco difícil de captar em um primeiro momento.

Tomo por parâmetro a forma como alguns textos do falecido Andrew Chumbley, que sempre me soaram absurdamente complexos e ininteligíveis, subitamente passaram a fazer total sentido e converteram-se numa leitura fluida depois de eu ter passado por experiências sabáticas oriundas do folclore de minha própria tradição. Superficialmente, a mitologia concisa e diminuta de minha família nada tem em comum com a complexa e rebuscada cadeia de rituais e simbologias ocultas contida nos grimórios publicados pela Cultus Sabbati. Mas inegavelmente, se a experiência de uma coisa viabiliza o entendimento de outra coisa que antes parecia inacessível à razão, é porque o aprendizado que abre as chaves daquele conhecimento é antes de tudo vivencial, e não teórico.

Muito pode ser expandido em reflexão sobre isso, mas talvez o mais relevante seja a dedução (por falta de uma palavra melhor para o insight) de que se existem procedimentos rígidos e específicos no mundo espiritual que legam um aprendizado profundo à alma ou ao inconsciente, de forma sucessiva, gradual e edificante quanto ao florescimento do pleno potencial individual (aquilo que alguns chamam deificação, vida eterna ou iluminação), então é igualmente plausível que muitas práticas mal estruturadas – ou estruturadas por uma vontade perversa qualquer – façam justamente o oposto. Ou seja, são práticas e vivências que não trazem nenhum aprendizado à alma ou os trazem de forma torta e possivelmente nociva.

 E muitos fatores me levam a crer que o simples resultado material bem-sucedido de atos mágicos não é um critério de medição aplicável a essa dimensão da prática espiritual, pois a feitiçaria pode ser bem executada segundo uma série de técnicas e aptidões, e não necessariamente seus resultados são espiritualmente edificantes dentro ou fora do próprio feiticeiro. Pelo contrário, não é difícil encontrar exemplos de praticantes de magia completamente desequilibrados, hiper-reativos ou carentes de uma quantidade mínima de integridade pessoal ou valores éticos, que turbam mais a sua própria realidade e a de outras pessoas através da espiritualidade do que constroem alguma coisa útil. Embora para algumas pessoas o sucesso em praticar magia funcional e a falta de interesse em comungar com o sagrado possam coexistir em uma vida tranquila e na retidão de caráter, o mesmo não acontece quando o comungar com o sagrado acontece de forma torta ou ilusória.

Parece inocente, sob este prisma, assegurar a si mesmo que simplesmente porque os feitiços funcionam a dimensão espiritual da vida como um todo vai bem, e que as vivências espirituais que se têm são todas agregadoras e engrandecedoras à alma. A realidade de uma caminhada mágico-religiosa é muito mais complexa do que isso. E não acho válido tampouco usar esse raciocínio crítico como desculpa para afirmar – sem muitas vezes saber de fato – que o caminho do outro é um desserviço ao progresso espiritual dele, por mais “sem pé nem cabeça” que ele pareça ser aos seus olhos. Essa é antes de tudo uma reflexão que serve de autocrítica. Afinal, você é responsável apenas pelo seu próprio caminho, ou quando muito, por orientar os primeiros estágios do caminho de alguém que esteja sob sua responsabilidade.

Essa é uma questão que demorei a compreender, mesmo tendo convivido desde muito cedo com pessoas que guardam para si ideias semelhantes em suas respectivas sendas, e tendo começado a compreender, percebo o quanto é importante voltar essa reflexão com frequência ao próprio caminho, e às escolhas que mais cedo ou mais tarde as bifurcações nele contidas nos obrigarão a fazer...

 “Eu estou trilhando uma sina que engrandece meu espírito ou chafurdando na lama espiritual sem perceber?”

 “O sucesso de minha magia vem acompanhado de uma comunhão verdadeira e benéfica com o sagrado?”

 “Em que medida a teoria que eu assimilo se traduz em uma vivência real e edificante?”

 E reunir as condições para ser capaz de responder cada uma dessas questões de forma honesta e útil é um desafio à parte, talvez o mais importante para que se tenha êxito naquilo que se busca na jornada... Boa sorte àqueles que tentam, já que é dito que a Fortuna favorece os ousados.




2 comentários:

  1. In Corde Iesu, Semper22 de julho de 2021 às 04:04

    Lindíssima reflexão. Lembra muito a passagem de ICor 1, 17-31. Também tenho pensado muito acerca disso ultimamente e essa passagem tem me trazido conforto. ��

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