Por Draco Stellamare
Engana a si mesmo quem busca a bruxaria para suprir um sentimento de falta ou solidão. O caminho que ela propõe, por mais que a tradição pressuponha o coletivo, é um caminho essencialmente individual que, sendo ou não solitário, é sempre cheio de solidão. Essa solidão começa com a própria descoberta de si mesmo enquanto bruxo, enquanto pessoa cujo congresso com o sagrado se encontra às margens da religião institucionalizada. O caráter mais comum da bruxa ou é ser a estranha no limiar da vila ou a aparente boa cidadã que esconde uma vida oculta. Em ambos os casos ela está separada do lugar comum que fora socialmente concebido para ela. Enquanto transgressora, ela está posta à parte de muitas – senão todas – as pessoas de seu convívio próximo. Mesmo a bruxa nascida numa linhagem familiar encontrará da porta de casa para fora um mundo de exclusão.
Depois do momento de
autodescoberta existe a solidão intrínseca às provações do caminho, que são
muitas. Um bom bruxo, que toma parte de um caminho iniciático, sofrerá as
ordálias que recaem sobre os iniciados. O enfrentamento constante de si mesmo,
para autossuperação, o enfrentamento de forças contrárias, para superação dos
inimigos futuros, e o cometimento de erros naturais do aprendizado são algumas
dessas ordálias. Isso porque empoderamento nenhum vem de graça. Tudo na
natureza se conquista, com maior ou menor esforço, e os bruxos aprendem isso
desde muito cedo.
Também os iniciadores têm suas
provações. A vivência enquanto líder de uma congrega, covine ou outro tipo de
grupo é a vivência de uma necessidade constante de responsabilizar-se pelos
aprendizes e iniciados que o seguem, ao mesmo tempo em que a responsabilidade
por si mesmo aumenta exponencialmente. O papel de liderança de um clã de
bruxaria requer um compromisso muito sério de respeito pelos membros do clã, o
que nem todo líder exerce, e na contrapartida muitas vezes o direito de ser
respeitado pelos iniciados e aprendizes também é violado. Tanto a
insensibilidade ou má-fé de uma liderança quanto a ingratidão ou falta de
comprometimento dos que são liderados existem e são uma realidade inescapável:
em algum momento todos topamos com ela. Aí uma nova forma de solidão aparece,
que é a solidão de quem está acompanhado.
Similar a essa última, por
também ser uma solidão que está enraizada no coletivo, é a solidão que recai
sobre quem aprendeu demais, tendo galgado níveis de percepção e entendimento
que falham aos seus correligionários. É frustrante em muitos níveis ao iniciado
que aprendeu com sua iniciação ver as querelas de pessoas que estão presas na
superficialidade. Ao mesmo tempo que muitas coisas que se esclareceram para ele
não podem ser conversadas com a maior parte das pessoas por uma total
incapacidade delas de entenderem um mistério que ainda não vivenciaram, existe
a visão horrenda que é a multidão de pessoas indo na contramão de qualquer
sabedoria esotérica, se digladiando nas mais vãs disputas e vomitando conceitos
cada vez mais deturpados a cada dia. Não que os iniciados sejam pessoas
iluminadas e superiores, mas é perceptível até ao iniciado mais capenga que a
qualidade do debate público na nossa comunidade é nivelada por baixo, na
maioria das vezes.
Há uma sabedoria que diz que ninguém pode fugir daquilo que é. Como eu acredito que a bruxaria é algo que está na natureza das pessoas, quem possui essa natureza não pode fugir da solidão. É algo que deve ser compreendido e enfrentado. Sozinhos passamos pela bifurcação em Y e pela crosara. Sozinhos respondemos perante o Senhor e a Senhora da Assembleia e sozinhos nos encontramos com nosso eu mais profundo na hora de praticar a magia, mesmo que uns diante dos outros. Mesmo estando em grupos, tradições e clãs, sozinhos permaneceremos, pois essa é a natureza bruxa, uma natureza que se reflete no caminho individual de cada um e também nas relações que estabelecemos.
A bruxaria de verdade não supre
faltas. Pelo contrário, ela realça de muitas formas a solidão intrínseca à
nossa própria natureza. Que os Antigos e antepassados de nossa carne e espírito,
que nos acompanhando compartilham da mesma solidão, ofereçam o seu bom conselho
para que a solidão não seja para nós um sinônimo de sofrimento!
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