sexta-feira, 21 de junho de 2024

A Solidão na Bruxaria

 Por Draco Stellamare




Engana a si mesmo quem busca a bruxaria para suprir um sentimento de falta ou solidão. O caminho que ela propõe, por mais que a tradição pressuponha o coletivo, é um caminho essencialmente individual que, sendo ou não solitário, é sempre cheio de solidão. Essa solidão começa com a própria descoberta de si mesmo enquanto bruxo, enquanto pessoa cujo congresso com o sagrado se encontra às margens da religião institucionalizada. O caráter mais comum da bruxa ou é ser a estranha no limiar da vila ou a aparente boa cidadã que esconde uma vida oculta. Em ambos os casos ela está separada do lugar comum que fora socialmente concebido para ela. Enquanto transgressora, ela está posta à parte de muitas – senão todas – as pessoas de seu convívio próximo. Mesmo a bruxa nascida numa linhagem familiar encontrará da porta de casa para fora um mundo de exclusão.

Depois do momento de autodescoberta existe a solidão intrínseca às provações do caminho, que são muitas. Um bom bruxo, que toma parte de um caminho iniciático, sofrerá as ordálias que recaem sobre os iniciados. O enfrentamento constante de si mesmo, para autossuperação, o enfrentamento de forças contrárias, para superação dos inimigos futuros, e o cometimento de erros naturais do aprendizado são algumas dessas ordálias. Isso porque empoderamento nenhum vem de graça. Tudo na natureza se conquista, com maior ou menor esforço, e os bruxos aprendem isso desde muito cedo.

Também os iniciadores têm suas provações. A vivência enquanto líder de uma congrega, covine ou outro tipo de grupo é a vivência de uma necessidade constante de responsabilizar-se pelos aprendizes e iniciados que o seguem, ao mesmo tempo em que a responsabilidade por si mesmo aumenta exponencialmente. O papel de liderança de um clã de bruxaria requer um compromisso muito sério de respeito pelos membros do clã, o que nem todo líder exerce, e na contrapartida muitas vezes o direito de ser respeitado pelos iniciados e aprendizes também é violado. Tanto a insensibilidade ou má-fé de uma liderança quanto a ingratidão ou falta de comprometimento dos que são liderados existem e são uma realidade inescapável: em algum momento todos topamos com ela. Aí uma nova forma de solidão aparece, que é a solidão de quem está acompanhado.

Similar a essa última, por também ser uma solidão que está enraizada no coletivo, é a solidão que recai sobre quem aprendeu demais, tendo galgado níveis de percepção e entendimento que falham aos seus correligionários. É frustrante em muitos níveis ao iniciado que aprendeu com sua iniciação ver as querelas de pessoas que estão presas na superficialidade. Ao mesmo tempo que muitas coisas que se esclareceram para ele não podem ser conversadas com a maior parte das pessoas por uma total incapacidade delas de entenderem um mistério que ainda não vivenciaram, existe a visão horrenda que é a multidão de pessoas indo na contramão de qualquer sabedoria esotérica, se digladiando nas mais vãs disputas e vomitando conceitos cada vez mais deturpados a cada dia. Não que os iniciados sejam pessoas iluminadas e superiores, mas é perceptível até ao iniciado mais capenga que a qualidade do debate público na nossa comunidade é nivelada por baixo, na maioria das vezes.

Há uma sabedoria que diz que ninguém pode fugir daquilo que é. Como eu acredito que a bruxaria é algo que está na natureza das pessoas, quem possui essa natureza não pode fugir da solidão. É algo que deve ser compreendido e enfrentado. Sozinhos passamos pela bifurcação em Y e pela crosara. Sozinhos respondemos perante o Senhor e a Senhora da Assembleia e sozinhos nos encontramos com nosso eu mais profundo na hora de praticar a magia, mesmo que uns diante dos outros. Mesmo estando em grupos, tradições e clãs, sozinhos permaneceremos, pois essa é a natureza bruxa, uma natureza que se reflete no caminho individual de cada um e também nas relações que estabelecemos.

A bruxaria de verdade não supre faltas. Pelo contrário, ela realça de muitas formas a solidão intrínseca à nossa própria natureza. Que os Antigos e antepassados de nossa carne e espírito, que nos acompanhando compartilham da mesma solidão, ofereçam o seu bom conselho para que a solidão não seja para nós um sinônimo de sofrimento!




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