Parte 4 – Stregoneria e as narrativas modernas que nela se inspiraram
A concepção pública da bruxaria começou a tomar contornos um pouco distintos daqueles ideais populares que foram abordados na primeira parte desse texto em meados do Séc. XIX e primeiras décadas do Séc. XX, quando alguns acadêmicos voltaram seus olhos ao estudo do que pareciam ser indícios de um culto pagão sobrevivente por toda a Europa (hipótese desacreditada atualmente) e quando, paralelamente, as grandes ordens ocultistas da modernidade começavam a aparecer e se manifestar publicamente. Foi o início de uma longa era que nos trouxe a Golden Dawn – Ordem Hermética da Aurora Dourada, a Teosofia de Blavatski, a criação da Thelema e da Wicca Gardneriana, e o surgimento de figuras como Aleister Crowley, MacGregor Mathers, Gerald Gardner e outros tantos nomes do esoterismo moderno.
Nesse contexto, um dos principais escritores ainda no Séc. XIX que iniciará um processo de ressignificação da bruxaria aos olhos do público é Charles Godfrey Leland, um folclorista norte-americano que publicou um livro com o título de Aradia: O Evangelho das Bruxas. Tratava-se de um compêndio de mitos, receitas e depoimentos supostamente colhidos de uma bruxa chamada Maddalena Talutti que, segundo Leland afirma, recolheu as informações de diversas outras bruxas atuantes na região da Toscana no centro-norte na Itália.
Figura 13. Capa da primeira edição do "Evangelho das Bruxas" de Charles G. Leland. Fonte: Wikipédia.
O conteúdo do Vangelo (evangelho) de Leland é até hoje controverso, pois trouxe várias narrativas que sugerem uma sobrevivência ininterrupta de mitos e práticas pagãs na modernidade sem influencia alguma do catolicismo romano – religião profundamente entranhada em grande parte das práticas de magia do povo italiano. Além disso, não há outros indícios que corroborem a existência – naquela época – de um culto organizado às deidades pagãs na Toscana além daqueles que são trazidos pelo próprio Leland em outros escritos seus como Etruscan Roman Remains e Legends of Florence, que também falam de lendas camponesas de cunho pagão na Toscana e na região da Emilia Romagna.