quarta-feira, 9 de novembro de 2022

FASCINAÇÃO E EROS

 Texto originalmente publicado na antiga página do Facebook em 13 de março de 2021


Liebeszauber (Magia de Amor) – Autor desconhecido (Séc. XV).

"A possibilidade mágica de fascinar e de ser fascinado encontra terreno eletivo na vida erótica: só que enquanto os esconjuros contra o malocchio (mau olhado) e a inveja tentam instituir uma defesa contra a energia maligna que assedia as pessoas e seus bens, os encantamentos de amor são geralmente empregados para amarrar quem se ama com um laço invisível e irresistível.

Também o homem usa estes encantamentos: em Ferrandina para enfeitiçar a mulher amada [o homem] colocará na bolsa [da mulher] uma trança de lã. Mas o homem pela sua maior liberdade social pode confiar a obtenção dos seus desígnios a meios mais realísticos, às formas normais de cortejo ou à serenata. A mulher, por sua condição de elemento tradicionalmente passivo no caso amoroso, e pelo rigor do costume que lhe impede de assumir iniciativas realistas neste domínio, confia mais facilmente ao pequeno mundo das conspirações mágicas, dos filtros amorosos, das práticas divinatórias, e em todo caso deste modo se mantém ligada por mais tempo e mais tenazmente ao homem. A mulher deve usar todo seu empenho para enfeitiçar o homem: se o encantamento não funciona de súbito é necessário repeti-lo por meses e meses, mas sempre em números ímpares, até que o homem cederá. O sangue menstrual, a secreção feminina, os pelos das axilas e do púbis, o sangue das veias têm o maior poder de ligar e de atrair a si, de separar o macho desejado da rival. Além de outros filtros usuais com gotas de sangue menstrual no vinho, café, sopa ou outra bebida, valem também filtros particulares, que são devidamente consagrados. Em Colobraro vale como potente filtro de amor a seguinte receita: amarra-se o dedo mindinho da mão direita, perfura-se este dedo, se faz dele sair três gotas de sangue, se corta um tufo de pelos das axilas e do púbis, se empastam os pelos com o sangue, se faz secarem no forno, e se obtém assim um pó que se leva à Igreja para consagrar durante a missa. Ao momento da elevação [da hóstia] se murmura:

Sangue de Criste, demonie, attaccame a chiste.

Tante ca li a legà ca de me non s’avi scurdà.

 

[Sangue de Cristo, demônio, amarra-me a isto.

Tanto o deve amarrar, que de mim não se deve esquecer.]

 

De tal modo o pó é consagrado através da potência mágica do momento culminante da missa, e é assim pronto para o uso na primeira ocasião propícia. Porque o sangue menstrual pode não estar sempre disponível quando se apresenta a oportunidade de virá-lo na bebida [do alvo], sempre em Colobraro se usa impregnar um paninho, e faze-lo gotejar numa garrafa, com a fórmula de consagração:

Sanghe della mia natura sine a la sebeltura.

[Sangue da minha natureza, até a sepultura.]

A garrafa será mantida em separado e empregada ao seu tempo.

Além dos filtros assim inspirados em um transparente simbolismo sexual existem outros que utilizam a técnica do nó como símbolo de ligamento. Em Gròttole, quando é a “festa grande” e se está tocando o sino [da igreja], se pega um fio de lã sem medida e se pronunciam por três vezes as palavras (isto é um conjuro, que neste caso a informante se recusou a nos fornecer): a cada badalada se efetua um nó na fita. Em Viggiano, sempre nos dias de festa, se pega um fio de lã sem medida e se fazem três nós, repetindo a cada nó:

Io ti amo e ti rispetto

come al sangue mio.

Tu se traditore:

io ti attacherò.

Io ti attache a o’sanghe.

 

[Eu te amo e te respeito

como ao meu sangue.

Tu és traidor:

eu te amarrarei.

Eu te amarrarei ao sangue.]

 

Neste momento um sinal da cruz [é feito], depois, com intenção profunda:

Io ti attacco nel sangue”, isto é, direto às raízes da pessoa, que o sangue simboliza. Em fechamento reza-se um Pai Nosso, uma Ave Maria e um Glória ao Pai.

(...)

Em relação a uma determinada perspectiva incerta os males de amor assumem a forma de uma fascinação do futuro, isto é, de práticas divinatórias e de explorações de sinais. Assim por exemplo, segundo informação de uma mulher de Gròttole, para saber se o amado que está longe está vivo ou morto, se é fiel ou infiel, próximo a regressar ou não, a amante espera a meia-noite de uma quarta-feira ou de uma sexta-feira, acende duas velas diante do anjo da boa noite, e murmura o esconjuro:

Santa Monica pietosa

Santa Monica lacrimosa

a levante andasti,

a ponente venisti:

come hai visto l’afetto di tuo figlio

così fammi vedere l’affetto di...

 

[Santa Monica piedosa

Santa Monica lacrimosa

para o leste andaste,

do poente vieste:

como viu o afeto do teu filho

assim faça-me ver o afeto de....]

Recitada a fórmula a amante vai à janela e observa os sinais que emergem da cidade imersa na escuridão. Favoráveis serão os sons de um sino (sinal que a alma é viva, ou que o retorno é próximo), o latido de um cachorro (fidelidade), o passar de um homem (retorno); sinais nefastos serão por sua vez um golpe de vento (distanciamento), o eco de uma briga de casal (desunião), o ruído de água corrente (lágrimas, sangue). A prática divinatória deverá ser fechada com três Credos, sete Pai Nossos e sete Glórias a Santo Expedito.”

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Trecho de “Sud e Magia”, livro sobre a magia folclórica do centro-sul da Itália, escrito pelo antropólogo Ernesto De Martino.

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Traduzido do italiano e publicado por Draco Stellamare.

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