Texto originalmente publicado na antiga página do Facebook em 13 de março de 2021
Liebeszauber (Magia de Amor) – Autor desconhecido (Séc. XV). |
"A possibilidade mágica de fascinar e de ser fascinado encontra terreno eletivo na vida erótica: só que enquanto os esconjuros contra o malocchio (mau olhado) e a inveja tentam instituir uma defesa contra a energia maligna que assedia as pessoas e seus bens, os encantamentos de amor são geralmente empregados para amarrar quem se ama com um laço invisível e irresistível.
Também o homem usa estes encantamentos: em Ferrandina para enfeitiçar a mulher amada [o homem] colocará na bolsa [da mulher] uma trança de lã. Mas o homem pela sua maior liberdade social pode confiar a obtenção dos seus desígnios a meios mais realísticos, às formas normais de cortejo ou à serenata. A mulher, por sua condição de elemento tradicionalmente passivo no caso amoroso, e pelo rigor do costume que lhe impede de assumir iniciativas realistas neste domínio, confia mais facilmente ao pequeno mundo das conspirações mágicas, dos filtros amorosos, das práticas divinatórias, e em todo caso deste modo se mantém ligada por mais tempo e mais tenazmente ao homem. A mulher deve usar todo seu empenho para enfeitiçar o homem: se o encantamento não funciona de súbito é necessário repeti-lo por meses e meses, mas sempre em números ímpares, até que o homem cederá. O sangue menstrual, a secreção feminina, os pelos das axilas e do púbis, o sangue das veias têm o maior poder de ligar e de atrair a si, de separar o macho desejado da rival. Além de outros filtros usuais com gotas de sangue menstrual no vinho, café, sopa ou outra bebida, valem também filtros particulares, que são devidamente consagrados. Em Colobraro vale como potente filtro de amor a seguinte receita: amarra-se o dedo mindinho da mão direita, perfura-se este dedo, se faz dele sair três gotas de sangue, se corta um tufo de pelos das axilas e do púbis, se empastam os pelos com o sangue, se faz secarem no forno, e se obtém assim um pó que se leva à Igreja para consagrar durante a missa. Ao momento da elevação [da hóstia] se murmura:Sangue
de Criste, demonie, attaccame a chiste.
Tante
ca li a legà ca de me non s’avi scurdà.
[Sangue
de Cristo, demônio, amarra-me a isto.
Tanto
o deve amarrar, que de mim não se deve esquecer.]
De tal modo o pó
é consagrado através da potência mágica do momento culminante da missa, e é
assim pronto para o uso na primeira ocasião propícia. Porque o sangue menstrual
pode não estar sempre disponível quando se apresenta a oportunidade de virá-lo
na bebida [do alvo], sempre em Colobraro se usa impregnar um paninho, e faze-lo
gotejar numa garrafa, com a fórmula de consagração:
Sanghe della mia natura sine a la sebeltura.
[Sangue
da minha natureza, até a sepultura.]
A garrafa será
mantida em separado e empregada ao seu tempo.
Além dos filtros
assim inspirados em um transparente simbolismo sexual existem outros que
utilizam a técnica do nó como símbolo de ligamento. Em Gròttole, quando é a
“festa grande” e se está tocando o sino [da igreja], se pega um fio de lã sem
medida e se pronunciam por três vezes as palavras (isto é um conjuro, que neste
caso a informante se recusou a nos fornecer): a cada badalada se efetua um nó
na fita. Em Viggiano, sempre nos dias de festa, se pega um fio de lã sem medida
e se fazem três nós, repetindo a cada nó:
Io ti amo e ti rispetto
come al sangue mio.
Tu se traditore:
io ti attacherò.
Io ti attache a o’sanghe.
[Eu
te amo e te respeito
como
ao meu sangue.
Tu
és traidor:
eu
te amarrarei.
Eu
te amarrarei ao sangue.]
Neste momento um
sinal da cruz [é feito], depois, com intenção profunda:
“Io ti attacco
nel sangue”, isto é, direto às raízes da pessoa, que o sangue simboliza. Em
fechamento reza-se um Pai Nosso, uma Ave Maria e um Glória ao Pai.
(...)
Em relação a uma
determinada perspectiva incerta os males de amor assumem a forma de uma
fascinação do futuro, isto é, de práticas divinatórias e de explorações de
sinais. Assim por exemplo, segundo informação de uma mulher de Gròttole, para
saber se o amado que está longe está vivo ou morto, se é fiel ou infiel,
próximo a regressar ou não, a amante espera a meia-noite de uma quarta-feira ou
de uma sexta-feira, acende duas velas diante do anjo da boa noite, e murmura o
esconjuro:
Santa Monica pietosa
Santa Monica lacrimosa
a levante andasti,
a ponente venisti:
come hai visto l’afetto di tuo figlio
così fammi vedere l’affetto di...
[Santa Monica piedosa
Santa Monica lacrimosa
para
o leste andaste,
do
poente vieste:
como
viu o afeto do teu filho
assim
faça-me ver o afeto de....]
Recitada a
fórmula a amante vai à janela e observa os sinais que emergem da cidade imersa
na escuridão. Favoráveis serão os sons de um sino (sinal que a alma é viva, ou
que o retorno é próximo), o latido de um cachorro (fidelidade), o passar de um
homem (retorno); sinais nefastos serão por sua vez um golpe de vento
(distanciamento), o eco de uma briga de casal (desunião), o ruído de água
corrente (lágrimas, sangue). A prática divinatória deverá ser fechada com três
Credos, sete Pai Nossos e sete Glórias a Santo Expedito.”
~
Trecho de “Sud e Magia”, livro sobre a magia folclórica do centro-sul da Itália, escrito pelo antropólogo Ernesto De Martino.
~
Traduzido do
italiano e publicado por Draco Stellamare.
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