Por: Lucas de Yemọjá (Omíwálé)
Iniciado no Druidismo por Rowena A. Seneween.
Caldeirão de Gundestrup. |
Entre a gama de sendas religiosas que se fundamentam no culto ancestral, está o que John Matthews classificou por “disciplina espiritual” mais antiga do mundo: o Xamanismo. Apesar das controvérsias, cabe frisar que a expressão “xamã”, ainda que tenha sido amplamente generalizada em âmbito acadêmico, possui origem siberiana. O historiador das religiões Mircea Eliade foi, sem dúvida alguma, o maior responsável pela disseminação do conceito que viria a agrupar diferentes práticas alocadas no tempo-espaço sob o mesmo epíteto (o xamânico!). Isto é, estabeleceu um amplo comparativo entre religiosidades que se fundamentavam (e ainda se fundamentam) em pilares comuns, tais como: animismo, totemismo, politeísmo, culto aos ancestrais e, por fim, as mais variadas “técnicas arcaicas do êxtase” – entre as quais se vislumbram o “voo da alma” e os distintos modos de transe mediúnico.
Partindo-se
de tais pressupostos, o movimento “New Age” atrelado às correntes filosóficas e
ocultistas do mundo ocidental, logo tratou de tomar conhecimento da profusão de
práticas espirituais – das pré-históricas às contemporâneas – que elucidavam
princípios tão belos e destoantes da lógica judaico-cristã hegemônica. Não
tardou para que “novos tipos” de Xamanismo surgissem no mercado religioso.
Alguns expressamente ressignificados a partir da apropriação (distorção?) de
elementos vivos de práticas nativas. Outros parcialmente reconstruídos com base
em saberes ancestrais pré-cristãos – caso do “Xamanismo Celta” ou “Druidismo
Moderno”, prática religiosa que assumiu diferentes ordens e vertentes desde os
primórdios de sua fundamentação histórica que, por sua vez, antecede a polêmica
Wicca de Gerald Gardner.
Sabendo-se
do uso conceitual atribuído à palavra “Xamanismo” – que parte de estudos
passíveis de muitas críticas, entre ressalvas e elogios – de alguns acadêmicos,
convencionou-se, mais recentemente, adotar a expressão “Xamanismo Urbano” ou
“Neoxamanismo” para delegar às novas sendas um local apropriado de fala e
manifestação. Organizados em grupos, clãs ou ordens de diferentes níveis de
organização, os praticantes do “novo” Xamanismo buscam, com certa constância e
imprudência, unir conhecimento ancestral aos conceitos básicos da psicologia
moderna e interpretação de aspectos do inconsciente, visando suposto
autoconhecimento. Trata-se de uma perspectiva majoritariamente urbana e
ocidental que, entre muitos aspectos problemáticos, endossa o apagamento dos
saberes nativos (sua cosmovisão, distante da selva de pedra e da égide
capitalista) de povos originários de muitas partes do mundo.
Contudo,
enquanto prática de reconstrução e assimilação para fins espirituais de caráter
PESSOAL, qualquer denominação xamânica é válida na medida em que se solidifica
em premissas de honestidade. Buscar a compreensão da tradição – ainda que em
nível histórico, antropológico e arqueológico – para situar com coerência e
respeito uma cosmovisão cabível ao espaço globalizado é, no mínimo, sensato.
Reconhecer a ausência de continuidade ancestral/tradicional de algumas práticas
e denominar nomes adequados que não venham a se apropriar e/ou distorcer
pilares importantes às culturas marginalizadas, é de fundamental importância
para se desenvolver qualquer trabalho de cunho xamânico fora do contexto
nativo.
Não
se pretende aqui apregoar regras e “cancelar” a veracidade de grupos ou
praticantes solitários, apenas alertar para o cuidado que se deve assumir ao
descartar a experiência e o aprendizado com fontes genuinamente tradicionais ou
seguras do ponto de vista científico. De Carlos Castañeda ao antropólogo
Michael Harner (autor de “O Caminho do Xamã” – recomendamos!), faz-se
necessária a autocrítica constante para validar formas lúcidas de Neoxamanismo
sem agredir ou apagar princípios valiosos aos povos VIVOS que ainda mantêm ativos
os elementos que Eliade conglomerou em seu conceito.
Não se pode estabelecer respeito à tradição sem antes firmar com esmero e solidez um vínculo de culto ancestral que venha, com êxito, alimentar a memória e os valores da linhagem espiritual, do sangue e da terra de qualquer aspirante à “xamã” ou “xamanista”. É através dos Antigos que se adquire clareza – vulgo bom senso – acerca do que realmente é passível ou não de ser transmitido adiante. Adaptar conceitos, elementos e novas práticas à contemporaneidade e suas respectivas necessidades é de suma valia, desde que se compreenda a distância e as diferenças que separam a cosmovisão “original” daquela que é vendida em âmbito urbano. Na ausência ou impossibilidade de contatar formas genuínas de Xamanismo, o (NEO) xamã deve sempre ponderar com respeito, muito estudo e atenção o ferramental que irá usufruir (e, muitas vezes, comercializar – tema, talvez, para outra discussão) à sua comunidade, delegando limites claros ao que se pretende estabelecer, jamais ocultando ou deixando de enaltecer a verdade daqueles que antes vieram e ainda se fazem presentes. Em suma: deve-se, com certa urgência, praticar o Neoxamanismo com maior carga de prudência e consciência social.
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