domingo, 1 de setembro de 2024

SUB SPECIE INTERIORITATIS (Do ponto de vista interior)

 Por Pietro Negri (Arturo Reghini)
Traduzido por Draco Stellamare

Coelum . . . nihil aliud est quam spiritualis interioritas. (Céu... Não é mais do que a interioridade espiritual.) - Guibertus, De Pignoribus Sanctorum, IV, 8

Aquila volans per aerem et Bufo gradiens per terram est Magisterium. (A águia voando no céu, e o sapo rastejando na terra é o Magistério) - M. Maier, Symbola Aureae Mensae duodecim Nationum, Frankfurt, 1617, p. 192



Muitos anos se passaram desde que eu tive minha primeira experiência de imaterialidade. Mas apesar do passar do tempo, a impressão que eu mantive dela foi tão vívida e poderosa que ela ainda permanece em minha memória, tanto quanto é possível transfundir e reter certas experiências transcendentes. Eu vou tentar agora transmitir essa impressão humanis verbis (em termos humanos), evocando-a novamente dos recantos mais internos de minha consciência.

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

LEGAME: Uma explanação sobre linhagem iniciática e hereditariedade na magia

Por Draco Stellamare



Há uma infinidade de assuntos de ordem esotérica em bruxaria tradicional que acabam sendo mal compreendidos pela falta de proximidade das pessoas com o tema. Dois deles, que em realidade se desdobram de uma mesma questão, ficam frequentemente em voga quando surgem as discussões sobre a legitimidade de uma linhagem ou sobre a bruxaria dita “hereditária” – que para muitos mentecaptos não existe (em que pese reconhecerem que existem hereditariedades de diversos outros ofícios e práticas mágico-religiosas). Esses assuntos são a própria compreensão sobre o que vem a ser uma linhagem iniciática, e o que vem a ser uma hereditariedade mágica. Neste texto, pretendo abordar esse assunto de modo direto, explicando como esses conceitos são compreendidos no bojo das tradições que recebi e da mentalidade tradicional como um todo.

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

A Voluntária Cegueira dos “Sábios”

 Por Draco Stellamare

Aviso aos leitores: Este texto é uma resposta a diversas falas depreciativas contra nossas tradições, feitas por determinadas pessoas. Ele fala contra um posicionamento específico de alguns indivíduos e não tem a intenção de desmerecer qualquer outra tradição, linhagem ou praticante solitário que não se enquadre como promulgador das ideias “fundamentalistas” e injuriosas lançadas contra nós.

 


É amplamente conhecido o ditado que diz que “o pior cego é aquele que não quer ver”. Sempre me ocorreu que essa frase dizia respeito às pessoas que, tendo ciência de uma situação óbvia à sua frente, preferiram viver uma fantasia confortável onde o aspecto incômodo da realidade era ignorado. A mim parece que uma parcela da comunidade bruxa brasileira vive constantemente fazendo uso desse artifício. Em especial algumas lideranças religiosas, seus vassalos e seguidores - muitos ligados à Wicca Tradicional e alguns poucos à sua variante eclética - parecem ávidos em desqualificar as linhagens alheias enquanto bruxaria, isso quando não questionam a própria existência do laço tradicional alheio fazendo as mesmas perguntas que já foram dirigidas às suas próprias origens, sem serem satisfatoriamente respondidas por eles mesmos (às vezes por desconhecimento e outras vezes por deliberada má-fé).

sexta-feira, 19 de julho de 2024

Deificação e a Descida do Fogo de Aster

 Por Draco Stellamare




A bruxaria considera a si mesma como um caminho sinuoso entre a esquerda e a direita, mas para onde este caminho leva é uma questão pouco dimensionada na maioria das vezes. As respostas podem ser tantas quanto são os caminhos a serem trilhados, mas de uma maneira geral um objetivo se destaca dentre as sendas que se pautam na mitologia sabática da bruxaria: esse objetivo é a deificação, chamada ainda divinização ou apoteose, para a linguagem católica “herética” a coroa da vida eterna.

sexta-feira, 12 de julho de 2024

As Aganis e seus Filhos

 Por Draco Stellamare



A Water Baby - Herbert James Draper (1895)

No extremo nordeste italiano, uma das figuras mágicas mais famosas são os espíritos das águas conhecidos como anguane na língua veneta e como aganis ou agane na língua friulana. Elas são tidas como ninfas ou sereias, espíritos em sua maioria femininos que estão ligados às fontes de água e exercem um poderoso fascínio sobre os seres humanos. Em algumas localidades elas são vistas como benéficas, em outras como maléficas e em muitos lugares são compreendidas como seres ambivalentes, capazes de fazer tanto o bem quanto o mal – muito provavelmente tais variações acompanhando o “humor” dos rios e lagoas das proximidades.

sábado, 22 de junho de 2024

Afinal, nossa bruxaria é cristã, pagã ou diabolista?

 Por Draco Stellamare



Satã observando o sono de Cristo - Joseph Paton (c.1900)


A experiência de congregar com outros praticantes de bruxaria de outras vertentes bem diferentes da minha sempre foi algo enriquecedor, mesmo quando “choques culturais” acontecem. Um desses choques que acontece com maior frequência é as pessoas me definirem como um “bruxo cristão” em razão da existência do catolicismo mágico-folclórico em minha tradição. Preciso dizer que embora o catolicismo seja a religião culturalmente assumida por mim e por minha família nas respostas ao IBGE, eu mesmo nunca pensei nesses termos radicais de distinção entre uma “bruxaria cristã” ou “bruxaria pagã”, mas a frequente reincidência desse assunto fez com que eu me questionasse... Afinal, nossa bruxaria é cristã, pagã ou diabolista?

sexta-feira, 21 de junho de 2024

A Solidão na Bruxaria

 Por Draco Stellamare




Engana a si mesmo quem busca a bruxaria para suprir um sentimento de falta ou solidão. O caminho que ela propõe, por mais que a tradição pressuponha o coletivo, é um caminho essencialmente individual que, sendo ou não solitário, é sempre cheio de solidão. Essa solidão começa com a própria descoberta de si mesmo enquanto bruxo, enquanto pessoa cujo congresso com o sagrado se encontra às margens da religião institucionalizada. O caráter mais comum da bruxa ou é ser a estranha no limiar da vila ou a aparente boa cidadã que esconde uma vida oculta. Em ambos os casos ela está separada do lugar comum que fora socialmente concebido para ela. Enquanto transgressora, ela está posta à parte de muitas – senão todas – as pessoas de seu convívio próximo. Mesmo a bruxa nascida numa linhagem familiar encontrará da porta de casa para fora um mundo de exclusão.