O senso comum da bruxaria moderna,
infelizmente, acredita numa ruptura total e absoluta das práticas pagãs com o
advento da hegemonia do cristianismo romano. Ruptura esta, por sua vez, que
culminaria na perda total das práticas mágicas do mundo politeísta, as quais só
teriam ressurgimento possível com a Wicca de Gardner e outras vertentes
neopagãs que vieram a florescer após o século XIX, entretanto, as tradições
folclóricas e ancestrais demonstram – e são amparadas pela pesquisa acadêmica –
que este não é o caso. O processo europeu de transição entre o politeísmo e o
monoteísmo cristão foi, em muitos locais, um processo carregado de nuances, de
readaptações e da ressignificação de práticas que se mantiveram preservadas, se
não em magnitude e esplendor, ao menos em pragmatismo e essência, sob uma
roupagem cristianizada.
Um destes exemplos – e que é o meu favorito, tanto por estar intimamente ligado à história de meus antepassados quanto por dizer respeito à minha principal divindade de culto – é o festival de Diana Nemorensis (Diana Trivia) e sua subsequente transformação nas festas católicas de Santo Hipólito e da Assunção da Virgem Maria.
Diana e seu cão - Autor desconhecido, c.1720. |
Diana
Nemorensis, ou como alguns autores latinos escrevem, Diana Nemoralis,
é como foi conhecida a deusa Diana em seu culto estruturado no Santuário do
Lago Nemi – chamado Speculum Dianae, espelho de Diana –, nas
proximidades da cidade de Aricia (ou Ariccia), no Latium. Diversas são as
discussões de estudiosos acerca das características deste culto, sua origem
histórica, sua relação com a religião estatal romana e seu possível antagonismo
com o culto oficial de Diana Aventinensis no Aventino, de modo que um
texto mais elaborado poderá ser feito futuramente a fim de se abordar as
referidas questões. Por hora, citarei alguns possíveis ou plausíveis atributos
deste culto que são de um razoável consenso em todas as fontes que pude
encontrar. Lembrando também que não sou historiador e meu papel aqui é falar de
uma perspectiva de devoto interessado em aprofundar seu conhecimento e
engrandecer suas tradições familiares e sua prática pessoal. Assim, se houverem
questões a serem corrigidas ou complementadas estarei plenamente aberto a recebê-las.
Artemis Tauropolos |
As
origens do culto de Diana em Nemi se voltam, segundo alguns autores clássicos,
à assimilação pelos latinos – já detentores de um culto à deusa Diana sob uma forma
local própria – do culto de uma “Diana Taurica” (Artemis Tauropolos),
trazida à Itália por Orestes e sua irmã Ifigênia da costa da Crimeia, no leste
europeu. O culto de Tauropolos era especialmente sanguinário e conhecido pela
realização de sacrifícios humanos à deusa, em especial vitimando estrangeiros
que, sem aviso, fossem encontrados ancorando suas embarcações nas praias
próximas ao local do culto.
O
elemento violento e sanguinário do sacrifício humano teria, segundo alguns
autores, sofrido transformações e sobrevivido na figura do Rex Nemorensis
(Rei do Bosque, ou Rei da Clareira do Bosque), o principal sacerdote do
santuário de Nemi. Este sacerdote deveria, obrigatoriamente, ser um escravo
fugitivo que obtivesse um ramo da árvore sagrada do bosque do Santuário (que se
acredita ter sido um carvalho). De posse deste ramo, o escravo desafiaria o Rex
Nemorensis antecessor para um duelo até a morte e, ao vencê-lo, tornaria-se
o novo Rei do Bosque. O título sacerdotal, assim, passava de uma geração à próxima
através do assassinato.
Pelo
que já li, ainda não é historicamente preciso qual seria o papel do Rex
Nemorensis no culto de Nemi, embora diversos autores, em especial Sir James
Frazer no célebre O Ramo de Ouro, argumentem que ele pode ter sido uma
representação humana e encarnada de uma das divindades associadas a Diana em
contexto nemorensino: o mitológico Virbius, tido como a persona ressuscitada do
grego Hipólito (Hippolytus), o filho de Teseu e da amazona Hipólita.
O
mito helênico acerca da relação entre Ártemis/Diana e Hipólito costuma
identificá-lo como seguidor da deusa, um exímio caçador ou criador de cavalos,
que teria desprezado Afrodite em favor de Ártemis, fazendo com que a deusa do
amor buscasse vingança e usasse seus poderes para que Fedra, a segunda esposa
de Teseu e madrasta de Hipólito, se apaixonasse por ele. Ao ter seu amor
rejeitado por Hipólito, Fedra o acusa falsamente de estupro para Teseu que,
enfurecido, amaldiçoa-o rogando a Poseidon que o mate. O Deus dos Mares então
envia um monstro marinho que assusta os cavalos de Hipólito, levando-o à morte.
Ártemis, por sua vez, teria pedido a Esculápio
que ressuscitasse Hipólito, indo Ela própria à busca do morto no Hades em
algumas versões pois, antes de morrer, o jovem havia jurado a Ela sua castidade
(aqui entendida como fidelidade). Após a ressurreição de Hipólito, este se torna
Virbius e é levado por Ártemis (aqui já identificada como Diana) para
Nemi onde ele se torna um rei na floresta.
No Ramo
de Ouro, Frazer argumenta que muitos indícios apontam para que a relação
entre Diana e Virbius/Hipólito seja a de consortes, tal como a que ocorre entre
Afrodite e Adônis ou Cibele e Átis. Em partes, aqui é necessário desconstruir a
frequente (e errônea) visão de Diana como deusa virgem no sentido estritamente
sexual do termo. O epíteto parthenos, sob o qual Ártemis inicialmente é
tratada, não corresponde à privação sexual, mas sim a simples designação de uma
mulher que não é casada, que não possui o vínculo matrimonial que outras
deidades possuem entre si. Em se tratando da ampla caracterização dos domínios
de Diana Nemorensis, principalmente, é evidente que ela possui aspectos não
apenas maternais, mas também sexuais muito presentes. Isso tudo sem citar
outros possíveis consortes cuja relação com Diana em seus respectivos mitos
assumem contextos amorosos de várias espécies, como no caso de Endymion.
Retornando, por fim, a Diana e Virbius, pode-se dizer que a relação mítica
entre eles segue os mesmos contornos de outros mitos nos quais a Deusa busca a
ressurreição do Deus, dentre os quais giram inclusive diversos cultos de
mistérios da antiguidade clássica.
The Golden Bough - J.M.W Turner, 1834. |
No
contexto deste culto, Diana Nemorensis (Diana do Bosque, ou ainda Diana da
Clareira do Bosque) se erguia como divindade complexa e multifacetada. Sua
principal característica era a da pura imanência do sagrado nas coisas
mundanas, no germinar das plantas, nas águas, na vida selvagem, na vida do
homem comum e em tudo aquilo que era reconhecido como parte do mundo divino
pelos antigos romanos e demais povos da Península Itálica. Ela também era
amplamente conhecida e representada como deusa das encruzilhadas, regendo os
encontros de caminhos e reinos, do dia e da noite, da vida e da morte, a detentora
das passagens que podem levar de um mundo superior a um mundo sombrio e
inferior ou vice-versa, quando é então chamada pelo epíteto Trivia, que
divide (e comunga de maneira sincrética) com Hecate. Além disto, Diana
Trivia possuía a caracterização tríplice (a diva triformis de
Horacio) com a qual era identificada como a unidade de outras deusas, que
variam segundo períodos e fontes literárias, e incluem Hecate, Selene, Luna e
Proserpina, todas como seus aspectos dentro de uma triplicidade onde cada uma
seria sua representação em uma parte do Cosmos, sendo, por exemplo, Diana na
superfície da terra (as florestas, montanhas e águas), Luna no céu noturno e Hecate
no submundo. Seu domínio nas encruzilhadas pode ser observado na seguinte
citação:
“…
A divindade [Diana] deve ser convocada do alto Olimpo e a proteção dos deuses
invocada por ritual suplicante. Por essa razão, construímos altares na
encruzilhada em bosques de árvores altas e acendemos nossas tochas de ponta
afiada no recinto florestal de Diana, e os filhotes são enfeitados com a coroa
costumeira e no centro das encruzilhadas, no arvoredo os caçadores lançam por
entre as flores as próprias armas, que agora guardam o feriado na paz festiva
dos ritos sagrados. Em seguida, os vinhos e os bolos fumegantes em uma bandeja
de madeira verde conduzem a procissão, com uma cabra jovem lançando chifres da
testa tenra, e frutas agora agarradas aos galhos, à maneira de um ritual
lustral em que todos os jovens se purificam em honra da Deusa e prestam
sacrifício pela generosidade do ano. Portanto, quando sua graça é conquistada,
a Deusa responde generosamente nas direções em que você pede ajuda: quer sua
maior ansiedade seja dominar a floresta ou evitar as pragas e ameaças do
destino, a Donzela é sua poderosa afeição e proteção.”
-
Trecho do Cynegeticon, um poema sobre caça do poeta romano Grattius Faliscus.
Representação de Diana Trivia, ou Diana Nemorensis, cunhada em moeda do período republicano.
No
contexto de Nemi havia ainda a presença e a influência de divindades oriundas
de outros povos que eram, segundo muitos hoje acreditam, sincretizadas com
Diana, tais como Ísis – que contribuiu para a consolidação do título diânico e
mariano de Stella Maris, Estrela do Mar – e Bastet, que eram
acompanhadas de inúmeros artefatos e representações egípcias. O mesmo pode ser
dito de representações asiáticas de Diana, tais como as que remetem à Diana de
Éfeso ou indiretamente à Artemis Tauropolos. O Santuário de Nemi recebia
presentes e ofertas vindas de várias outras localidades do Mediterrâneo e do Leste
europeu, um dos motivos pelos quais se acredita na ampla difusão de seu culto,
que atingiu toda a Península Itálica e inúmeros outros territórios que fizeram
parte do Império Romano.
A
principal ocasião no Santuário de Nemi era o festival de Diana denominado Nemoralia,
realizado entre os dias 13 e 15 de Agosto, e sobre o qual o poeta Stalius, do
primeiro século da Era Comum, diz o seguinte:
Tempus
erat, caeli cum torrentissimus axis incumbit terris ictusque Hyperione multo
acer anhelantis incendit Sirius agros. Iamque dies aderat, profugis cum regibus
aptum fumat Aricinum Triviae nemus et face multa conscius Hippolyti splendet
lacus; ipsa coronat emeritos Diana canes et spicula terget et tutas sinit ire
feras, omnisque pudicis itala terra focis Hecate idas excolit idus.
Em
tradução livre:
Foi a época em que a abóbada celeste
pairava sobre a terra em sua forma mais tórrida e feroz. Sirius, atingido pelos
raios pródigos de Hipérion, queimava os campos ofegantes. Agora estava quase chegando
o dia em que o bosque arício de Trivia, apto para reis em fuga, torna-se cheio
de fumaça e o lago privado de Hipólito brilha com muitas tochas. A própria
Diana envolve seus cães veteranos, reforça seus dardos e deixa as feras irem em
segurança; toda a Itália celebra os idos de Hécate em seus lares castos.
A celebração da Nemoralia envolvia uma
grande procissão às margens do lago Nemi – o Espelho de Diana – na qual os
devotos seguiam com tochas acesas. Neste dia os escravos da região usufruíam de
descanso e os cães de caça eram coroados de flores. O abate de qualquer animal
selvagem era terminantemente proibido durante a celebração.
The Syracusan Bride leading Wild Animals in Procession to the Temple of Diana - Lord Frederick Leighton, 1866. |
Achados arqueológicos na região do antigo
Santuário demonstram que era costumeiro o oferecimento de imagens votivas pelos
devotos, incluindo genitálias masculinas e femininas, figuras de animais
domésticos e representações de vinhas, frutos diversos da terra, joias, moedas
e itens ligados à fecundidade e fertilidade de toda sorte. Tais oferendas
carregavam a expectativa de atrair as bênçãos da Deusa às plantações, aos
animais e às famílias, especialmente no que tangia a gravidez e o parto
saudável. Contudo, embora a requisição de auxílio no parto pelos devotos seja
enfatizada nos escritos de alguns autores, tal não é suficiente para
caracterizar o culto de Diana Nemorensis – como alguns neopagãos afirmam – enquanto
algo exclusivo de mulheres ou voltado mais às necessidades destas do que às dos
homens. Pelo contrário, indícios apontam para uma indiscriminada e comum
participação de vários setores da sociedade romana e itálica de modo geral
nesta devoção, homens e mulheres, plebeus e patrícios, escravos e homens
livres, cidadãos romanos e estrangeiros sem distinção.
A Nemoralia
pode ter sido, segundo alguns acadêmicos afirmam, uma celebração da busca de
Diana pela ressurreição de Hipólito, na qual a Deusa desce ao submundo para
fazê-lo subir novamente ao mundo dos vivos, desta vez como Virbius, e ao
regressar é alçada – como o movimento da lua – ao alto dos céus, trazendo sua
luz sobre todas as coisas durante a noite enluarada, um símbolo da imanência.
Esta hipótese é de especial relevância para o meu entendimento do culto, pois se
comunica com elementos que são simbólicos, não apenas da mitologia da Assunção
de Maria no catolicismo, mas também da ideia folclórica de Diana que subsistiu em
algumas localidades da Itália. Tal ideia – com a qual já tive contato em mais
de uma tradição de bruxaria – tem uma de suas muitas versões exemplificada
bibliograficamente nos controversos escritos de Charles Leland acerca de
histórias das bruxas da Toscana moderna, coletados por Maddalena Talutti, nos
quais a deusa Diana desce à terra para provar o seu poder perante as fadas e se
tornar Rainha do Cosmos.
Na
ainda reconhecida obra de Frazer, é tecida uma comparação entre as ofertas
votivas que visavam abençoar as plantações na celebração da Nemoralia –
especialmente as videiras – com as ofertas e preces exatamente idênticas que
ainda são realizadas em diversos locais da Itália no dia da Assunção de
Maria, e no desta ou da Dormição de Maria no Leste Europeu, ambas as
festividades fixadas – a primeira pela Igreja Católica e a segunda pela Igreja
Ortodoxa – no dia 15 de agosto.
Pintura retratando a Assunção de Maria - Autor desconhecido. |
Sobre a associação das duas celebrações – a
Nemoralia e a Assunção –, sua evidente continuidade de práticas tradicionais
entre uma e outra e os motivos pelos quais essa associação foi feita, Frazer
diz o seguinte:
Em
seu ritual anual, o qual, como já vimos, era celebrado por toda a Itália no décimo
terceiro dia de Agosto, cães de caça eram coroados e as feras selvagens não
eram molestadas; os jovens passavam por uma cerimônia purificatória em sua
honra; vinho era trazido, e o banquete consistia em bolos servidos quentes em
pratos de folhas, e maçãs ainda penduradas nos ramos. A Igreja Cristã parece
ter santificado este grande festival da deusa virgem ao habilmente convertê-lo
no festival da Assunção da Abençoada Virgem no dia quinze de Agosto. (...) Acerca
das razões que propiciaram esta conversão do festival da Virgem Diana no
festival da Virgem Maria, alguma luz é lançada por uma passagem do texto sírio A
Saída de Minha Senhora Maria Deste Mundo, que discorre: “E os apóstolos
também ordenaram que deveria haver uma comemoração da abençoada no dia treze de
Ab [isto é, Agosto; em outros manuscritos se lê 15 de Ab], por conta das vinhas
darem cachos (de uvas), e por conta das árvores darem fruto, das nuvens de
geada darem pedras de granizo que talvez não venha, e as árvores estarem
quebradas e seus frutos, e as vinhas com seus cachos”. Aqui o festival da
Assunção da Virgem é definido para ser fixado no dia treze ou quinze de Agosto
para proteger o amadurecimento das uvas e outros frutos. De modo semelhante, no
texto árabe da obra apócrifa Da Passagem da Abençoada Virgem Maria, o
qual é atribuído ao Apóstolo João, ocorre a seguinte passagem: “Também um
festival em honra dela foi instituído no décimo quinto dia do mês Ab [isto é,
Agosto], que é o dia da passagem dela deste mundo, o dia no qual os milagres
foram performados, e o tempo no qual as frutas das árvores estão amadurecendo.”
Depois, nos calendários da Igreja Síria o quinze de Agosto é repetidamente
destinado como festival da Mãe de Deus “pelas videiras”; e até hoje na Grécia o
amadurecimento dos frutos é trazido para as igrejas para ser abençoado por
padres no décimo quinto dia de Agosto. Agora nós ouvimos de vinhedos e
plantações dedicadas a Ártemis, frutas oferecidas a ela, e seu templo estando
em um pomar. Portanto podemos conjecturar que sua irmã italiana Diana também
foi reverenciada como a patrona das videiras e das árvores frutíferas, e que no
treze de Agosto os donos de vinhedos e pomares lhe ofereciam seus respeitos em
Nemi junto a outras classes da comunidade. (...) Em algumas partes da Itália e
Sicília o dia da Assunção da Virgem ainda é celebrado, como o antigo dia de
Diana, com luzes e fogueiras; em muitas regiões Sicilianas o milho é levado em
sacos para as igrejas para ser abençoado, e muitas pessoas, que tem um favor a
pedir para a Virgem, prometem se abster de um ou mais tipos de frutos durante
os primeiros quinze dias de Agosto. Até na Escandinávia uma relíquia do culto
de Diana sobreviveu no costume de abençoar os frutos da terra de todo tipo, que
em tempos Católicos eram observados anualmente no festival da Assunção da
Virgem. Não há improbabilidade intrínseca na visão de que por motivos de sua
edificação a igreja deve ter convertido um real festival pagão em um festival
com nome cristão.
-
Tradução livre de The Golden Bough: A Study in Magic and Religion Part I, Vol.
I.
A
Assunção de Maria é o dogma segundo o qual a Virgem Maria teria, ao fim
conhecido de sua vida, sido elevada de corpo e alma ao Paraíso. Não preciso
dizer que, com um pouco de refinamento espiritual, é possível entender os
mistérios das linhagens bruxas que estão velados nesta imagem sacra e que
traduzem, entre outras questões, a trajetória de deificação das almas imortais (conceito
oriundo de uma compreensão da libertação da alma presente dos mistérios órficos
e nas heresias gnósticas) e o caminho que os espíritos fazem ao ir deste mundo aos
“mundos superiores” através da lua.
Mas
voltando às questões mais palpáveis... Permaneciam
ao menos até o início do século XX em várias regiões italianas numerosas tradições
folclóricas envolvendo o festejo da Assunção de Maria, dentre as quais algumas
possuem suas implicações mágicas. Creio que tais tradições ainda existam em
muitos lugares, mas falo de maneira restritiva pois ainda não fiz pesquisas acerca
da conservação destes ritos em outros lugares no tempo presente, e me baseio
para falar deles nas memórias familiares relatadas por minha avó materna, batizada
em honra da Madonna Assunta. Memórias estas que, por sua vez, alegam práticas
que ocorriam, pelo menos, na região da província de Udine, na Friuli-Venezia
Giulia, nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX.
Assunção da Virgem - Bartolomé Esteban Murillo, c.1680. |
Dentre as tradições do festejo da Assunção,
estão as rezas acompanhadas de procissões com velas e fogueiras em honra da
Madonna Assunta (em português Nossa Senhora Assunta – ou Elevada – ao Céu, ou
ainda Nossa Senhora da Assunção), a consagração das plantações, o sacrifício do
corte de cabelos longos pelo agradecimento de uma graça ou para pedir um favor,
e a oferta de rosas e flores do campo nos altares da Virgem. Dentre as práticas
mágicas derivadas da celebração, podem ser citadas a confecção de óleos de
benção feitos das flores ofertadas à Maria e as bênçãos especiais que se seguiam
a uma sincera invocação da Divina Mãe. Acredita-se que tais práticas poderiam
conferir proteção e saúde a pessoas, lugares, objetos, entre outros.
Diversos
elementos da Nemoralia se mantiveram na festa da Assunção: a procissão das
tochas, as coroas de flores, as ofertas votivas voltadas à magia simpática –
baseada na atuação sobre um objeto através de uma imitação ou representação,
como as ofertas de cachos de uva gravados num cristal para representar um
vinhedo – , a crença numa descida da Deusa com sua elevação ao céu, antes como
a lua e agora como a Rainha dos Anjos (que não deixa de portar a lua como um de
seus mais relevantes símbolos). Os mesmos objetivos são perseguidos – e por
muitos alcançados.
É
justo dizer, e esta é a breve conclusão deste texto, que muito daquele mundo
antigo de Diana Trivia que teve seu centro de culto em Nemi, Ariccia, durante a
era pagã da Antiga Roma, continua vivo e jamais será esquecido, pois se manteve
até os dias de hoje através da fé de muitos que continuaram a ver a presença do
sagrado – a presença de Diana! – nos frutos da terra, nas estrelas do céu e nas
ondas do mar, mesmo quando a instituição eclesiástica lhes dizia o contrário.
Hoje, para aqueles que conservaram esta forma
de ver e de celebrar o sagrado, a Deusa não é apenas Diana Trivia, mas também
Maria, divina em todo o seu ser e que trouxe sua própria contribuição à imagem
da Divina Mãe, pois durante séculos, o único nome possível para a Deusa foi o de
Maria. Com o acesso a informações seguras sobre o passado e a inexistência de
uma Inquisição, tesouros dos quais as novas gerações podem se gabar, é possível
resgatar e relembrar os “idos de Hécate”, a antiga Nemoralia como deve ter sido
em todo seu esplendor... Isso tudo sem deixar de honrar a tradição como
sobreviveu até aqui, pelas mãos suaves da figura de uma Mãe ora chamada Diana,
ora Maria!
Que suas bênçãos se derramem hoje e sempre sobre aqueles que ousarem vê-La!
L'Immacolata Concezione - Martino Altomonte, 1719. |
***
REFERÊNCIAS:
The Golden Bough: A Study in Magic and Religion Part I, Vol. I. - Sir James Frazer.
Latin Cults Through Roman Eyes: Myth, memory and cult practice in the Alban hills - Hermans A. M.
Roman Religion and the Cult of Diana at Aricia - Green C.M.C.
Página: https://www.wikiwand.com/en/Diana_(mythology)
Página: https://www.theoi.com/Olympios/Artemis.html
Draco,Hekate realmente apareceu nas confissões/tradições bruxas medievais ou ela era Deusa apenas das feiticeiras pré-cristãs?
ResponderExcluirNão me lembro se vi nos meus estudos alguma menção a Hecate nos registros medievais, mas considero que seja extremamente provável que eles existam.
ExcluirAssim como outros deuses que são mencionados em depoimentos processuais, como Diana e Lucifero, Hecate está presente em vertentes de bruxaria tradicional e teve sua existência preservada também na literatura e nas artes após a cristandade.
Se eu encontrar alguma referência disso futuramente posto aqui nos comentários.
Abraço.
vale lembrar também os adeptos do Coliridianismo,que de fato cultuavam Maria como uma Deusa
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