quarta-feira, 12 de agosto de 2020

NEMORALIA: O antigo festival de Diana e sua transformação na Festa da Assunção de Maria

 

   O senso comum da bruxaria moderna, infelizmente, acredita numa ruptura total e absoluta das práticas pagãs com o advento da hegemonia do cristianismo romano. Ruptura esta, por sua vez, que culminaria na perda total das práticas mágicas do mundo politeísta, as quais só teriam ressurgimento possível com a Wicca de Gardner e outras vertentes neopagãs que vieram a florescer após o século XIX, entretanto, as tradições folclóricas e ancestrais demonstram – e são amparadas pela pesquisa acadêmica – que este não é o caso. O processo europeu de transição entre o politeísmo e o monoteísmo cristão foi, em muitos locais, um processo carregado de nuances, de readaptações e da ressignificação de práticas que se mantiveram preservadas, se não em magnitude e esplendor, ao menos em pragmatismo e essência, sob uma roupagem cristianizada.

 Um destes exemplos – e que é o meu favorito, tanto por estar intimamente ligado à história de meus antepassados quanto por dizer respeito à minha principal divindade de culto – é o festival de Diana Nemorensis (Diana Trivia) e sua subsequente transformação nas festas católicas de Santo Hipólito e da Assunção da Virgem Maria.


c. 1720, Autor desconhecido.

Diana e seu cão - Autor desconhecido, c.1720.


 Diana Nemorensis, ou como alguns autores latinos escrevem, Diana Nemoralis, é como foi conhecida a deusa Diana em seu culto estruturado no Santuário do Lago Nemi – chamado Speculum Dianae, espelho de Diana –, nas proximidades da cidade de Aricia (ou Ariccia), no Latium. Diversas são as discussões de estudiosos acerca das características deste culto, sua origem histórica, sua relação com a religião estatal romana e seu possível antagonismo com o culto oficial de Diana Aventinensis no Aventino, de modo que um texto mais elaborado poderá ser feito futuramente a fim de se abordar as referidas questões. Por hora, citarei alguns possíveis ou plausíveis atributos deste culto que são de um razoável consenso em todas as fontes que pude encontrar. Lembrando também que não sou historiador e meu papel aqui é falar de uma perspectiva de devoto interessado em aprofundar seu conhecimento e engrandecer suas tradições familiares e sua prática pessoal. Assim, se houverem questões a serem corrigidas ou complementadas estarei plenamente aberto a recebê-las.



Artemis Tauropolos


 As origens do culto de Diana em Nemi se voltam, segundo alguns autores clássicos, à assimilação pelos latinos – já detentores de um culto à deusa Diana sob uma forma local própria – do culto de uma “Diana Taurica” (Artemis Tauropolos), trazida à Itália por Orestes e sua irmã Ifigênia da costa da Crimeia, no leste europeu. O culto de Tauropolos era especialmente sanguinário e conhecido pela realização de sacrifícios humanos à deusa, em especial vitimando estrangeiros que, sem aviso, fossem encontrados ancorando suas embarcações nas praias próximas ao local do culto.

 O elemento violento e sanguinário do sacrifício humano teria, segundo alguns autores, sofrido transformações e sobrevivido na figura do Rex Nemorensis (Rei do Bosque, ou Rei da Clareira do Bosque), o principal sacerdote do santuário de Nemi. Este sacerdote deveria, obrigatoriamente, ser um escravo fugitivo que obtivesse um ramo da árvore sagrada do bosque do Santuário (que se acredita ter sido um carvalho). De posse deste ramo, o escravo desafiaria o Rex Nemorensis antecessor para um duelo até a morte e, ao vencê-lo, tornaria-se o novo Rei do Bosque. O título sacerdotal, assim, passava de uma geração à próxima através do assassinato.

 Pelo que já li, ainda não é historicamente preciso qual seria o papel do Rex Nemorensis no culto de Nemi, embora diversos autores, em especial Sir James Frazer no célebre O Ramo de Ouro, argumentem que ele pode ter sido uma representação humana e encarnada de uma das divindades associadas a Diana em contexto nemorensino: o mitológico Virbius, tido como a persona ressuscitada do grego Hipólito (Hippolytus), o filho de Teseu e da amazona Hipólita.

 O mito helênico acerca da relação entre Ártemis/Diana e Hipólito costuma identificá-lo como seguidor da deusa, um exímio caçador ou criador de cavalos, que teria desprezado Afrodite em favor de Ártemis, fazendo com que a deusa do amor buscasse vingança e usasse seus poderes para que Fedra, a segunda esposa de Teseu e madrasta de Hipólito, se apaixonasse por ele. Ao ter seu amor rejeitado por Hipólito, Fedra o acusa falsamente de estupro para Teseu que, enfurecido, amaldiçoa-o rogando a Poseidon que o mate. O Deus dos Mares então envia um monstro marinho que assusta os cavalos de Hipólito, levando-o à morte.

 Ártemis, por sua vez, teria pedido a Esculápio que ressuscitasse Hipólito, indo Ela própria à busca do morto no Hades em algumas versões pois, antes de morrer, o jovem havia jurado a Ela sua castidade (aqui entendida como fidelidade). Após a ressurreição de Hipólito, este se torna Virbius e é levado por Ártemis (aqui já identificada como Diana) para Nemi onde ele se torna um rei na floresta.

 No Ramo de Ouro, Frazer argumenta que muitos indícios apontam para que a relação entre Diana e Virbius/Hipólito seja a de consortes, tal como a que ocorre entre Afrodite e Adônis ou Cibele e Átis. Em partes, aqui é necessário desconstruir a frequente (e errônea) visão de Diana como deusa virgem no sentido estritamente sexual do termo. O epíteto parthenos, sob o qual Ártemis inicialmente é tratada, não corresponde à privação sexual, mas sim a simples designação de uma mulher que não é casada, que não possui o vínculo matrimonial que outras deidades possuem entre si. Em se tratando da ampla caracterização dos domínios de Diana Nemorensis, principalmente, é evidente que ela possui aspectos não apenas maternais, mas também sexuais muito presentes. Isso tudo sem citar outros possíveis consortes cuja relação com Diana em seus respectivos mitos assumem contextos amorosos de várias espécies, como no caso de Endymion. Retornando, por fim, a Diana e Virbius, pode-se dizer que a relação mítica entre eles segue os mesmos contornos de outros mitos nos quais a Deusa busca a ressurreição do Deus, dentre os quais giram inclusive diversos cultos de mistérios da antiguidade clássica.



The Golden Bough - J.M.W Turner, 1834.

 No contexto deste culto, Diana Nemorensis (Diana do Bosque, ou ainda Diana da Clareira do Bosque) se erguia como divindade complexa e multifacetada. Sua principal característica era a da pura imanência do sagrado nas coisas mundanas, no germinar das plantas, nas águas, na vida selvagem, na vida do homem comum e em tudo aquilo que era reconhecido como parte do mundo divino pelos antigos romanos e demais povos da Península Itálica. Ela também era amplamente conhecida e representada como deusa das encruzilhadas, regendo os encontros de caminhos e reinos, do dia e da noite, da vida e da morte, a detentora das passagens que podem levar de um mundo superior a um mundo sombrio e inferior ou vice-versa, quando é então chamada pelo epíteto Trivia, que divide (e comunga de maneira sincrética) com Hecate. Além disto, Diana Trivia possuía a caracterização tríplice (a diva triformis de Horacio) com a qual era identificada como a unidade de outras deusas, que variam segundo períodos e fontes literárias, e incluem Hecate, Selene, Luna e Proserpina, todas como seus aspectos dentro de uma triplicidade onde cada uma seria sua representação em uma parte do Cosmos, sendo, por exemplo, Diana na superfície da terra (as florestas, montanhas e águas), Luna no céu noturno e Hecate no submundo. Seu domínio nas encruzilhadas pode ser observado na seguinte citação:

“… A divindade [Diana] deve ser convocada do alto Olimpo e a proteção dos deuses invocada por ritual suplicante. Por essa razão, construímos altares na encruzilhada em bosques de árvores altas e acendemos nossas tochas de ponta afiada no recinto florestal de Diana, e os filhotes são enfeitados com a coroa costumeira e no centro das encruzilhadas, no arvoredo os caçadores lançam por entre as flores as próprias armas, que agora guardam o feriado na paz festiva dos ritos sagrados. Em seguida, os vinhos e os bolos fumegantes em uma bandeja de madeira verde conduzem a procissão, com uma cabra jovem lançando chifres da testa tenra, e frutas agora agarradas aos galhos, à maneira de um ritual lustral em que todos os jovens se purificam em honra da Deusa e prestam sacrifício pela generosidade do ano. Portanto, quando sua graça é conquistada, a Deusa responde generosamente nas direções em que você pede ajuda: quer sua maior ansiedade seja dominar a floresta ou evitar as pragas e ameaças do destino, a Donzela é sua poderosa afeição e proteção.”

- Trecho do Cynegeticon, um poema sobre caça do poeta romano Grattius Faliscus.



Representação de Diana Trivia, ou Diana Nemorensis, cunhada em moeda do período republicano.
 

 No contexto de Nemi havia ainda a presença e a influência de divindades oriundas de outros povos que eram, segundo muitos hoje acreditam, sincretizadas com Diana, tais como Ísis – que contribuiu para a consolidação do título diânico e mariano de Stella Maris, Estrela do Mar – e Bastet, que eram acompanhadas de inúmeros artefatos e representações egípcias. O mesmo pode ser dito de representações asiáticas de Diana, tais como as que remetem à Diana de Éfeso ou indiretamente à Artemis Tauropolos. O Santuário de Nemi recebia presentes e ofertas vindas de várias outras localidades do Mediterrâneo e do Leste europeu, um dos motivos pelos quais se acredita na ampla difusão de seu culto, que atingiu toda a Península Itálica e inúmeros outros territórios que fizeram parte do Império Romano.

 A principal ocasião no Santuário de Nemi era o festival de Diana denominado Nemoralia, realizado entre os dias 13 e 15 de Agosto, e sobre o qual o poeta Stalius, do primeiro século da Era Comum, diz o seguinte:

Tempus erat, caeli cum torrentissimus axis incumbit terris ictusque Hyperione multo acer anhelantis incendit Sirius agros. Iamque dies aderat, profugis cum regibus aptum fumat Aricinum Triviae nemus et face multa conscius Hippolyti splendet lacus; ipsa coronat emeritos Diana canes et spicula terget et tutas sinit ire feras, omnisque pudicis itala terra focis Hecate idas excolit idus.

 Em tradução livre:

Foi a época em que a abóbada celeste pairava sobre a terra em sua forma mais tórrida e feroz. Sirius, atingido pelos raios pródigos de Hipérion, queimava os campos ofegantes. Agora estava quase chegando o dia em que o bosque arício de Trivia, apto para reis em fuga, torna-se cheio de fumaça e o lago privado de Hipólito brilha com muitas tochas. A própria Diana envolve seus cães veteranos, reforça seus dardos e deixa as feras irem em segurança; toda a Itália celebra os idos de Hécate em seus lares castos.

A celebração da Nemoralia envolvia uma grande procissão às margens do lago Nemi – o Espelho de Diana – na qual os devotos seguiam com tochas acesas. Neste dia os escravos da região usufruíam de descanso e os cães de caça eram coroados de flores. O abate de qualquer animal selvagem era terminantemente proibido durante a celebração.


The Syracusan Bride leading Wild Animals in Procession to the Temple of Diana - Lord Frederick Leighton, 1866.

 Achados arqueológicos na região do antigo Santuário demonstram que era costumeiro o oferecimento de imagens votivas pelos devotos, incluindo genitálias masculinas e femininas, figuras de animais domésticos e representações de vinhas, frutos diversos da terra, joias, moedas e itens ligados à fecundidade e fertilidade de toda sorte. Tais oferendas carregavam a expectativa de atrair as bênçãos da Deusa às plantações, aos animais e às famílias, especialmente no que tangia a gravidez e o parto saudável. Contudo, embora a requisição de auxílio no parto pelos devotos seja enfatizada nos escritos de alguns autores, tal não é suficiente para caracterizar o culto de Diana Nemorensis – como alguns neopagãos afirmam – enquanto algo exclusivo de mulheres ou voltado mais às necessidades destas do que às dos homens. Pelo contrário, indícios apontam para uma indiscriminada e comum participação de vários setores da sociedade romana e itálica de modo geral nesta devoção, homens e mulheres, plebeus e patrícios, escravos e homens livres, cidadãos romanos e estrangeiros sem distinção.

 A Nemoralia pode ter sido, segundo alguns acadêmicos afirmam, uma celebração da busca de Diana pela ressurreição de Hipólito, na qual a Deusa desce ao submundo para fazê-lo subir novamente ao mundo dos vivos, desta vez como Virbius, e ao regressar é alçada – como o movimento da lua – ao alto dos céus, trazendo sua luz sobre todas as coisas durante a noite enluarada, um símbolo da imanência. Esta hipótese é de especial relevância para o meu entendimento do culto, pois se comunica com elementos que são simbólicos, não apenas da mitologia da Assunção de Maria no catolicismo, mas também da ideia folclórica de Diana que subsistiu em algumas localidades da Itália. Tal ideia – com a qual já tive contato em mais de uma tradição de bruxaria – tem uma de suas muitas versões exemplificada bibliograficamente nos controversos escritos de Charles Leland acerca de histórias das bruxas da Toscana moderna, coletados por Maddalena Talutti, nos quais a deusa Diana desce à terra para provar o seu poder perante as fadas e se tornar Rainha do Cosmos.

 Na ainda reconhecida obra de Frazer, é tecida uma comparação entre as ofertas votivas que visavam abençoar as plantações na celebração da Nemoralia – especialmente as videiras – com as ofertas e preces exatamente idênticas que ainda são realizadas em diversos locais da Itália no dia da Assunção de Maria, e no desta ou da Dormição de Maria no Leste Europeu, ambas as festividades fixadas – a primeira pela Igreja Católica e a segunda pela Igreja Ortodoxa – no dia 15 de agosto.



Pintura retratando a Assunção de Maria - Autor desconhecido.

  Sobre a associação das duas celebrações – a Nemoralia e a Assunção –, sua evidente continuidade de práticas tradicionais entre uma e outra e os motivos pelos quais essa associação foi feita, Frazer diz o seguinte:

Em seu ritual anual, o qual, como já vimos, era celebrado por toda a Itália no décimo terceiro dia de Agosto, cães de caça eram coroados e as feras selvagens não eram molestadas; os jovens passavam por uma cerimônia purificatória em sua honra; vinho era trazido, e o banquete consistia em bolos servidos quentes em pratos de folhas, e maçãs ainda penduradas nos ramos. A Igreja Cristã parece ter santificado este grande festival da deusa virgem ao habilmente convertê-lo no festival da Assunção da Abençoada Virgem no dia quinze de Agosto. (...) Acerca das razões que propiciaram esta conversão do festival da Virgem Diana no festival da Virgem Maria, alguma luz é lançada por uma passagem do texto sírio A Saída de Minha Senhora Maria Deste Mundo, que discorre: “E os apóstolos também ordenaram que deveria haver uma comemoração da abençoada no dia treze de Ab [isto é, Agosto; em outros manuscritos se lê 15 de Ab], por conta das vinhas darem cachos (de uvas), e por conta das árvores darem fruto, das nuvens de geada darem pedras de granizo que talvez não venha, e as árvores estarem quebradas e seus frutos, e as vinhas com seus cachos”. Aqui o festival da Assunção da Virgem é definido para ser fixado no dia treze ou quinze de Agosto para proteger o amadurecimento das uvas e outros frutos. De modo semelhante, no texto árabe da obra apócrifa Da Passagem da Abençoada Virgem Maria, o qual é atribuído ao Apóstolo João, ocorre a seguinte passagem: “Também um festival em honra dela foi instituído no décimo quinto dia do mês Ab [isto é, Agosto], que é o dia da passagem dela deste mundo, o dia no qual os milagres foram performados, e o tempo no qual as frutas das árvores estão amadurecendo.” Depois, nos calendários da Igreja Síria o quinze de Agosto é repetidamente destinado como festival da Mãe de Deus “pelas videiras”; e até hoje na Grécia o amadurecimento dos frutos é trazido para as igrejas para ser abençoado por padres no décimo quinto dia de Agosto. Agora nós ouvimos de vinhedos e plantações dedicadas a Ártemis, frutas oferecidas a ela, e seu templo estando em um pomar. Portanto podemos conjecturar que sua irmã italiana Diana também foi reverenciada como a patrona das videiras e das árvores frutíferas, e que no treze de Agosto os donos de vinhedos e pomares lhe ofereciam seus respeitos em Nemi junto a outras classes da comunidade. (...) Em algumas partes da Itália e Sicília o dia da Assunção da Virgem ainda é celebrado, como o antigo dia de Diana, com luzes e fogueiras; em muitas regiões Sicilianas o milho é levado em sacos para as igrejas para ser abençoado, e muitas pessoas, que tem um favor a pedir para a Virgem, prometem se abster de um ou mais tipos de frutos durante os primeiros quinze dias de Agosto. Até na Escandinávia uma relíquia do culto de Diana sobreviveu no costume de abençoar os frutos da terra de todo tipo, que em tempos Católicos eram observados anualmente no festival da Assunção da Virgem. Não há improbabilidade intrínseca na visão de que por motivos de sua edificação a igreja deve ter convertido um real festival pagão em um festival com nome cristão.

- Tradução livre de The Golden Bough: A Study in Magic and Religion Part I, Vol. I.

 

 A Assunção de Maria é o dogma segundo o qual a Virgem Maria teria, ao fim conhecido de sua vida, sido elevada de corpo e alma ao Paraíso. Não preciso dizer que, com um pouco de refinamento espiritual, é possível entender os mistérios das linhagens bruxas que estão velados nesta imagem sacra e que traduzem, entre outras questões, a trajetória de deificação das almas imortais (conceito oriundo de uma compreensão da libertação da alma presente dos mistérios órficos e nas heresias gnósticas) e o caminho que os espíritos fazem ao ir deste mundo aos “mundos superiores” através da lua.

 Mas voltando às questões mais palpáveis...  Permaneciam ao menos até o início do século XX em várias regiões italianas numerosas tradições folclóricas envolvendo o festejo da Assunção de Maria, dentre as quais algumas possuem suas implicações mágicas. Creio que tais tradições ainda existam em muitos lugares, mas falo de maneira restritiva pois ainda não fiz pesquisas acerca da conservação destes ritos em outros lugares no tempo presente, e me baseio para falar deles nas memórias familiares relatadas por minha avó materna, batizada em honra da Madonna Assunta. Memórias estas que, por sua vez, alegam práticas que ocorriam, pelo menos, na região da província de Udine, na Friuli-Venezia Giulia, nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX.



Assunção da Virgem - Bartolomé Esteban Murillo, c.1680.

 Dentre as tradições do festejo da Assunção, estão as rezas acompanhadas de procissões com velas e fogueiras em honra da Madonna Assunta (em português Nossa Senhora Assunta – ou Elevada – ao Céu, ou ainda Nossa Senhora da Assunção), a consagração das plantações, o sacrifício do corte de cabelos longos pelo agradecimento de uma graça ou para pedir um favor, e a oferta de rosas e flores do campo nos altares da Virgem. Dentre as práticas mágicas derivadas da celebração, podem ser citadas a confecção de óleos de benção feitos das flores ofertadas à Maria e as bênçãos especiais que se seguiam a uma sincera invocação da Divina Mãe. Acredita-se que tais práticas poderiam conferir proteção e saúde a pessoas, lugares, objetos, entre outros.

 Diversos elementos da Nemoralia se mantiveram na festa da Assunção: a procissão das tochas, as coroas de flores, as ofertas votivas voltadas à magia simpática – baseada na atuação sobre um objeto através de uma imitação ou representação, como as ofertas de cachos de uva gravados num cristal para representar um vinhedo – , a crença numa descida da Deusa com sua elevação ao céu, antes como a lua e agora como a Rainha dos Anjos (que não deixa de portar a lua como um de seus mais relevantes símbolos). Os mesmos objetivos são perseguidos – e por muitos alcançados.

 É justo dizer, e esta é a breve conclusão deste texto, que muito daquele mundo antigo de Diana Trivia que teve seu centro de culto em Nemi, Ariccia, durante a era pagã da Antiga Roma, continua vivo e jamais será esquecido, pois se manteve até os dias de hoje através da fé de muitos que continuaram a ver a presença do sagrado – a presença de Diana! – nos frutos da terra, nas estrelas do céu e nas ondas do mar, mesmo quando a instituição eclesiástica lhes dizia o contrário.

 Hoje, para aqueles que conservaram esta forma de ver e de celebrar o sagrado, a Deusa não é apenas Diana Trivia, mas também Maria, divina em todo o seu ser e que trouxe sua própria contribuição à imagem da Divina Mãe, pois durante séculos, o único nome possível para a Deusa foi o de Maria. Com o acesso a informações seguras sobre o passado e a inexistência de uma Inquisição, tesouros dos quais as novas gerações podem se gabar, é possível resgatar e relembrar os “idos de Hécate”, a antiga Nemoralia como deve ter sido em todo seu esplendor... Isso tudo sem deixar de honrar a tradição como sobreviveu até aqui, pelas mãos suaves da figura de uma Mãe ora chamada Diana, ora Maria!

 Que suas bênçãos se derramem hoje e sempre sobre aqueles que ousarem vê-La!



L'Immacolata Concezione - Martino Altomonte, 1719.


***


REFERÊNCIAS:

The Golden Bough: A Study in Magic and Religion Part I, Vol. I. - Sir James Frazer.

Latin Cults Through Roman Eyes: Myth, memory and cult practice in the Alban hills - Hermans A. M.

Roman Religion and the Cult of Diana at Aricia - Green C.M.C.

Página: https://www.wikiwand.com/en/Diana_(mythology)

Página: https://www.theoi.com/Olympios/Artemis.html


3 comentários:

  1. Draco,Hekate realmente apareceu nas confissões/tradições bruxas medievais ou ela era Deusa apenas das feiticeiras pré-cristãs?

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    1. Não me lembro se vi nos meus estudos alguma menção a Hecate nos registros medievais, mas considero que seja extremamente provável que eles existam.

      Assim como outros deuses que são mencionados em depoimentos processuais, como Diana e Lucifero, Hecate está presente em vertentes de bruxaria tradicional e teve sua existência preservada também na literatura e nas artes após a cristandade.

      Se eu encontrar alguma referência disso futuramente posto aqui nos comentários.

      Abraço.

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  2. vale lembrar também os adeptos do Coliridianismo,que de fato cultuavam Maria como uma Deusa

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